sexta-feira, 8 de outubro de 2010

178 milhões no Senado da República... [Texto de Paulo Nolasco*]

A polidez é a primeira virtude, e talvez a origem de todas elas. É também a mais pobre, a mais superficial, a mais discutível: e seria mesmo uma virtude? [...]. A polidez zomba da moral [...]. Um nazista polido, o que isso muda com relação ao nazismo? O que isso muda no horror? Nada, evidentemente, e a polidez é bem caracterizada por esse nada. Virtude da pura forma, virtude de etiqueta, virtude de aparato! A aparência de uma virtude portanto, e apenas a aparência. (Comte-Sponville)

Mais essa hoje... A mais recente das canalhices: o Senado da República arrombou os cofres públicos em 178 milhões. Pelo que os brasileiros acabaram de ver a partir daqui, de Dourados, até o Norte do País, não é só de estarrecer espasmodicamente, é mais ainda, é lembrar aquela “Sibilia” eliotiana, do poema A terra estéril, que, sacrificada e condenada ao suplício de “não morrer”, implorava ao seu detrator – “Quero morrer”... Por menos, quase nada comparativamente, Dourados perdeu seus representantes dos dois poderes (o Prefeito, “matuto”, da segunda e esplendorosa cidade do estado, ainda mofa na cadeia) e ainda sacrificaram-se postulantes à eleição recente. Não é lindo de morrer, mas é de morrer de rir! Não dá mais para esbravejar, nem evocar antigas e sábias lições, pior ainda a “oratio catilinaria” dos historiadores das ideias e das mentalidades... Não há violência maior do que a que rouba nossos sonhos (Calderón).... de justiça, confiança, respeito e amor correspondido ao semelhante. Nem nós mesmos, os da “classe letrada”, jogamos sequer um níquel na Fontana, não diria da esperança e da inocência, mas nas das que se estribam os políticos, homens públicos, e todos os “podres poderes”: da sabedoria, da cultura letrada, da loquacidade e da última das virtudes, a polidez... A máscara caiu, e não foi só a que os homens estampavam na cara e em dissimuladas palavras, mais desgraçadamente foi a máscara que emoldurava os “lugares” institucionais, os palácios em geral, as casas de lei (tábuas), as mídias interesseiras, inclusive os espaços “públicos” que se conspurcaram no e com os “privados”: Acabam fazendo no espaço “público” aquilo que deviam fazer na “privada” e no recesso de suas casas. Mas para tudo há uma explicação, ainda que (re)emendada, justificada pelo “quiproquó” de uma democracia claudicante com a qual não se sabe lidar, respeitar e exercitá-la; mal saímos de um regime ditatorial e poucos frequentaram uma escola/educação “democrática” para a “contemporaneidade” do nosso tempo. O que resultou, hoje, na desconfiança de qualquer aparência de boa-fé, de toda polidez que já foi virtude e que hoje zomba da moral. Além de nós mesmos, os “outros”, despossuídos de tudo, todos aprendemos a duras penas que o “grande teatro burguês”, sua encenação, não convence, nem comove nem ludibria mais ninguém. Ou se refundem as ordens e os poderes dos Palácios burgueses ou os cidadãos escolherão “outros” representantes, os sem polidez, essa virtude da aparência (é por orgulho que somos polidos, um matador do holocausto também pode ser polido); por isso, não é difícil explicar o porquê do surgimento, aqui e ali e acolá, desses outros e “impolidos”, não-engravatados, menos “cultivados” aos nossos olhos, liderando as nossas expectativas de uma moral que não se deite com a polidez vazia, sem estofo, pura matéria de aparência. Um indígena se elege presidente, um analfabeto se elege alcaide, presidente, e outro vai parlamentar, fazer lei e fiscalizar no Parlamento. Mas faz falta a esses “outros”, iletrados, desavisados do jogo burguês, a perspicácia e a loquacidade que fundou a velha pólis: tagarelice/arte de saber falar para reinar na cidade, ou seja, faltam-lhes a “loquacidade” que, como aquele velho político do banco da praça, tudo-diz-e-nada-diz-nem-faz. Mas ainda vamos, sim, procurar os ficha-limpa, os homens e mulheres honrados, ainda que os encontremos nas grotas dos Jequitinhonhas e nas Cachoeirinhas das cidades. Menos loquazes, menos afoitos por cargos públicos, porque esses aí não passam mais em concurso público. Caíram a casa e a máscara da polidez dos bem-nascidos.

* Paulo Nolasco é douradense; Doutor em Letras; Comparatista; Professor de literatura, crítica literária e cultural na UFGD; Membro da Academia Douradense e da Sul-mato-grossense de Letras; Pesquisador do CNPq.

 

Blog da Maria Eugênia Amaral Copyright © 2011 -- Powered by Blogger