terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Uma livraria... E oito cadeiras

Caídas, esfoladas, com alguma perna bamba ou palha rasgada, as cadeiras estavam fadadas ao esquecimento. Lixo certo na próxima faxina de fundo do quintal, direto para o entulho.

Foi quando ela teve a idéia de recuperá-las. “Ficariam ótimas na nova livraria”, pensou. Afinal, o espaço que fora planejado para os amantes da leitura deveria reunir livros e amigos, com uma boa conversa, café expresso e algumas guloseimas. Oito pequenas cadeiras viriam a calhar.

As oito eram simples, rústicas até, de um estilo conservador, tradicional, tal qual o das cadeiras pintadas por van Gogh. Mas a organização da livraria, prestes a ser inaugurada, lhe tomava o dia inteiro e parte da noite. Preocupar-se com cadeiras exigiria tempo demais. Nem pensar...

Mas, em um encontro casual com oito amigas (coincidência demais!), as oito peças receberam seus desígnios: cada amiga ficaria responsável por restaurar uma delas, com liberdade total para customizá-la. Foi como se um gongo tocasse. O sinal para o início de uma brincadeira.

A professora de inglês cobriu sua cadeira com inúmeras frases sobre livros e leitura que mostrassem, literalmente, a cultura inglesa.

A colunista revestiu a sua por completo, com uma longa capa de tecido que simulava textos e manchetes de jornais e assinou: Acontece by Ely Oliveira.

A restaurateur utilizou referências ao café expresso que a livraria iria oferecer.

A cerimonialista recobriu a sua com fuxicos e, na almofada para o assento, escreveu sobre a origem desse artesanato feito com retalhos de pano.

Já a arquiteta criou um apoio para a leitura, anexando um braço metálico à cadeira:


E houve a amiga que colocou flores de crochê ao encosto e bordou uma trovinha na almofadaEsta livraria tem 4 cantos, com muitos livros e sabor. Aqui só entra quem é amigo. E sai mais amigo, com amor!”:


Outra fez uma espessa e macia almofada vermelha em que convidava o visitante a sentar, tomar um café e ler:



Quanto a mim, confeccionei uma capa para o encosto e fiz uma almofada com retalhos coloridos aplicados (alguma coisa do tipo patchwork) que lembrassem pássaros, galhos, flores e um ninho, com trechos de poemas de Manoel de Barros:


Fui convidado pelas aves para ser árvore. Eu sofro preferência para pedras ― Passarinhos do mato gostam de mim e de goiaba ― Poeta é uma pessoa que reverdece nele mesmo ― Sabiá de setembro tem orvalho na voz. De manhã ele recita o sol ― Deixei uma ave me amanhecer ― Sou livre para o silêncio das formas e das cores ― Melhor para entardecer é encostar em árvore ― Palavras. Gosto de brincar com elas. Tenho preguiça de ser sério”.

Pequenas coisas feitas com carinho. Bobagens, brincadeiras... Oito cadeiras simples que poderiam ter sido “consertadas” voltando a ser idênticas, como eram quando novas. Oito mulheres, amigas, profissionais, que deixaram de lado seus afazeres e doaram seu tempo e sua criatividade somente para fazer um afago em uma amiga comum que começava uma nova etapa de vida. E essas amigas transformaram completamente as oito cadeiras, como um presente. Oito amuletos. Oferendas cobertas de desejos de boa sorte. Oito “presenças”, como que marcando território na livraria: “Ei! Estou aqui! Faço parte dessa festa que é apreciar um bom livro. Gosto disso e gosto muito de você!”.

Se livro é presente de amigo, uma cadeira para o leitor é presente de cúmplice. Vá à livraria de minha amiga e aproveite. A cumplicidade é nossa e a vantagem é sua.

Ah! Já ia esquecendo... A livraria ― Canto das Letras ― já foi inaugurada e fica na Av. Weimar Torres, 2440, telefone (67) 3427-0203, em Dourados, Mato Grosso do Sul.
 

Blog da Maria Eugênia Amaral Copyright © 2011 -- Powered by Blogger