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FONTE DA IMAGEM: Commons Wikimedia Org. |
A noite caía escura como breu. Nada se via no céu, além de algumas minguadas estrelas e uma nesga de luz da lua nova. Fui dormir bem cedo, pouco depois de as galinhas se aquietarem em seus poleiros. Após aquele dia na fazenda ― correndo atrás da bezerrada, pegando laranja no pé e ralando o joelho no centésimo tombo da semana ―, tamanha era minha canseira que cheguei ao quarto e não deitei na cama. Desmaiei.
Acordei no meio da noite, na mais completa escuridão, com respingos de água morna em meu rosto. Fechei os olhos molhados, prendi a respiração, assustada, e fiquei alguns segundos quieta, tentando entender o que estava acontecendo, morrendo de medo de abrir um olho sequer. E a água voltou a respingar sobre mim, escorrendo sobre meus lábios. Um gosto amargo me aterrorizou. Não faço idéia de quanto tempo fiquei ali, sem mexer um músculo, paralisada de pavor. E a água continuava a cair, lentamente. Quanto mais eu pensava, mais medo sentia. Nada, nadinha de nada que eu conhecesse neste mundo podia explicar o que estava acontecendo. Era uma noite fria e aquela “água” era morna. Como era possível? Apurei os ouvidos e constatei que não chovia ― nem uma garoinha sequer. Não era goteira.
Aos poucos, com o corpo inerte e a mente acelerada ao máximo, exausta por respirar tão mal, uma única e aterrorizante verdade se apossava de mim: pendurado no teto de madeira, a pouca distância de meu rosto, um monstro imenso, com boca escancarada, deixava sua saliva morna escorrer. Meu estômago ficava embrulhado só de imaginar e meu corpo inteirinho começava a doer. Então tomei a decisão: ele pode me devorar, mas antes eu vou gritar... E gritei: “Paiiêêê!”.
No dia seguinte o cano de cobre do reservatório de água quente foi consertado. Por sorte, o fogão a lenha tinha sido pouco usado e a água da serpentina não se aquecera demais. Além disso, a noite fria ajudou a manter apenas morna a água da caixa. Por pouco “meu monstro” não expeliu uma saliva quente de pelar.
Mas as semanas seguintes foram tensas. Apesar da constatação da realidade, sem monstros visíveis, as noites ainda me perturbavam. Com o tempo, porém, fui me tornando cética. Passei a duvidar de qualquer ameaça estranha e comecei, desafiadoramente, a vasculhar a escuridão e as sombras até iluminá-las. Foi assim que aprendi a destruir os monstros que se atrevessem a aparecer.
Hoje me lembrei dessa história ao ficar sabendo que minha livraria predileta em Dourados ― CANTO DAS LETRAS ―, vai começar a oferecer “contação de histórias” em seu canto das letrinhas aos sábados. A primeira delas, baseada no livro “O domador de monstros”, de Ana Maria Machado, será apresentada pela Profa. Dra. Bruna Paes de Barros ― psicóloga que é mestre e doutora em Ciências da Saúde pela UNIFESP. Bruna, que se mudou da Pauliceia para Dourados em busca de melhor qualidade de vida, também conta histórias. E o faz prazerosamente, como hobby. Isso é bom demais!
Os monstros que se cuidem. Seus dias estão contados...