quinta-feira, 10 de março de 2011

WEGA NERY (1912–2007), uma estrela sul-mato-grossense



Wega Nery, em 1986, fotografada por Leonardo Crescenti


Uma das obras de Wega: “Onde dormem as âncoras”,
óleo sobre tela de 1986

Esta corumbaense, filha de Leôncio Nery e Ottilia Gomes da Silva Nery, nasceu no dia 10 de março de 1912. E hoje, quando ela completaria 99 anos de idade, quero relembrá-la como ela foi (e seu nome declarava): Wega, uma estrela.

Seu pai, um campineiro que foi a Corumbá em 1907 para participar da equipe de engenheiros que estudava a implantação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, acabou ficando por lá, encantado pela jovem Ottilia, filha do “Nheco” Gomes da Silva (o fundador da Nhecolândia) e de Maria das Mercês (da família Leite de Barros).

Com esses avós, e um pai apaixonado pela região, as raízes pantaneiras de Wega Nery cresceram profundas e sólidas, regadas pela mãe. Grande parte de sua infância transcorreu na Fazenda Campo Leda, no Pantanal. Ainda menina, foi enviada ao internato do Colégio Sion, em São Paulo. Lá também estudava piano, escrevia poesias e sonhava com as férias passadas em Corumbá e na fazenda.

Mas o contato de Wega com o Pantanal foi ficando cada vez mais raro. Sua família mudou-se em 1924 para Campinas e em 1933 para São Paulo. Em seguida, a então jovem professora Wega fez um curso de aperfeiçoamento pedagógico na Escola Caetano de Campos e foi nomeada Inspetora Federal de Ensino. Nos dois anos seguintes a essa nomeação, viajou incessantemente pelo interior paulista, inspecionando escolas da rede oficial.

Em 1938 casou-se em São Paulo com Fausto Gomes Pinto, funcionário do Banco do Brasil, seu professor de inglês. Em 1939 nasceu seu único filho, Sebastião Rubens “Tão” Gomes Pinto. Entre 1943 e 1945, por complicações cirúrgicas, Wega foi hospitalizada repetidas vezes: no total, doze meses de internações. Nesse tempo, retomou o hábito de desenhar — que já no Colégio Sion chamara a atenção das freiras — e começou a pintar suas primeiras telas a óleo.

A partir de 1946, incentivada pelo marido, Wega começou a frequentar o meio artístico paulistano e desistiu de ser pianista ou poetisa. Declarou anos depois que não sentiu falta da poesia; afinal, para ela “...a pintura tem muito de poesia e muito de música”. Matriculou-se então na Escola de Belas Artes de São Paulo, com 33 anos de idade, mostrando seus trabalhos pela primeira vez na 5.ª Exposição Coletiva da Associação Paulista de Belas Artes.

No início da carreira como artista plástica, Wega recebeu o apoio de críticos importantes, além do estímulo do marido (que veio a falecer em 1955). Depois que enviuvou, teve como companheiro o novelista e crítico do jornal O Estado de S. Paulo Geraldo Ferraz, que conheceu pessoalmente em 1963. Mas em 1979 Geraldo falece, e Wega perde seu mais ardoroso crítico.

Após concluir o curso da Escola de Belas Artes, estudou com Yoshiya Takaoka e participou do 15.° Salão Paulista de Belas Artes. Com um ano de formada, recebeu seu primeiro prêmio — a medalha de bronze do 56.° Salão Nacional de Belas Artes — e aderiu ao Grupo Guanabara. Esse grupo, que reunia cerca de vinte e cinco artistas plásticos (inclusive o próprio Takaoka), manteve-se ativo em São Paulo de 1950 a 1959, com uma produção marcada pela liberdade individual de estilo e de técnica.

Em 1953 Wega Nery participou de sua primeira Bienal e frequentou por cinco meses o Atelier Abstração, sob a orientação de Samson Flexor — pintor franco-romeno que ensinava a arte abstrata de princípios geométricos. Ela então aprofundou seus estudos e pesquisas sobre a abstração e começou a trabalhar regularmente com nanquim sobre papel. A partir de 1962 passou a dedicar-se ao abstracionismo lírico e informal, trabalhando principalmente com óleo sobre tela.

Considerada uma artista irrequieta e de temperamento vulcânico, segundo o crítico Leo Gilson Ribeiro, Wega justificava sua têmpera citando as raízes maternas, de mulheres indômitas que desbravavam o sertão, enfrentavam ásperas jornadas de sol e ventos gelados, enchentes e o desconforto primitivo do Pantanal, desprezando as fraquezas e vaidades da cidade grande.

Guilherme Gomes, jornalista (e neto de Wega Nery), teve o privilégio de visitá-la no Guarujá em seus últimos anos de vida e registrar cenas e testemunhos preciosos, como relatou em um artigo para a revista Cult, em maio de 2006:

“...convivendo com a natural debilidade decorrente da idade, Wega não pinta mais. Mesmo assim, seus olhos ainda brilham quando fala das tintas, cavaletes e terebintina. Com a lucidez de uma jovem e a experiência de uma vida, pontifica. ‘Enquanto espero o barqueiro para me levar a outras dimensões, quero deixar uma mensagem para os jovens. A juventude me fascina, é a melhor fase da vida. Acreditem e façam acontecer. Fico pensando nesse ideal comum e na inutilidade de múltiplas classificações da arte: expressionismo, abstracionismo, concretismo, neo-expressionismo, tantos ismos... E vanguarda, transvanguarda... Qual a duração de uma vanguarda? As vanguardas se renovam, não há necessidade de alarde’...”

Wega Nery produziu incessantemente, tornando-se uma referência nacional em artes plásticas na área do abstracionismo lírico, e sua obra recebeu (e tem recebido) elogios da crítica nacional e internacional.

Além do Brasil, onde participou de 12 Bienais e de aproximadamente 80 mostras em várias cidades, sua obra foi exposta na Argentina, Uruguai, México, Estados Unidos, França, Alemanha e Inglaterra — um mundo que teve a fortuna de receber parte da energia onírica que Wega Nery soube extrair de seu Éden (como ela chamou o Pantanal). Energia que parece ter orientado sua obra, que hoje, com certeza, é uma das mais premiadas — e reconhecidas — entre as dos pintores brasileiros representantes do abstracionismo lírico. Exatamente um dos tantos “ismos” de classificação da arte, inúteis na visão Wega. Afinal, para que uma estrela dessa grandeza necessitaria de rótulos?

 

Blog da Maria Eugênia Amaral Copyright © 2011 -- Powered by Blogger