Duas tatuagens visíveis. Três, talvez. Observo discreta e atentamente. Uma delas está à mostra, próxima à mão direita. Outra contém uma frase, parcialmente encoberta pela camiseta. Um homem belíssimo, simpático, jovem, sarado, com corpo moreno e olhos acesos. Não resisto, me aproximo e pergunto sobre a frase, que logo descubro ser “Liberdade ainda que tardia – MG”, escrita em círculo. No centro, a homenagem a Minas Gerais se completa com originalidade: o triângulo vermelho da bandeira se transforma na “casca” de uma saborosa fatia de queijo! Não falta humor ao jovem mineiro que saiu de casa aos 16 anos e que, com criatividade, gravou imagens em seu corpo.
“Esse desenho é minha criação. Aliás, desenhei todas as minhas oito tatuagens” — ele explica, e começa a mostrá-las uma a uma. Das visíveis com roupa, a maior é uma tesoura mística, envolta em névoa, mas quase palpável. Ele levanta o ombro e me deixa entrever uma mandala de figas. Várias, de diferentes tamanhos e formas. Uma bela imagem, toda negra e impecavelmente simétrica. Impressionada, vou acompanhando cada marca, cada desenho, e imaginando significados e simbologias, como se cada elemento fosse parte de um grande mapa.
Vejo fragmentos de um palhaço em expressão macabra que, através de cordéis, manipula uma marionete. Uma grande caveira é “uma imagem mexicana dos festejos do Dia dos Mortos”, ele me conta. “Ela tem dentes de ouro, com uma falha: um dente caído, bem na frente. E duas rosas vermelhas como seus olhos.” As imagens são tão estranhas e excêntricas, e a riqueza de detalhes é tamanha, que mal dou atenção a um enorme dragão chinês.
Tal qual um artista que exibe sua obra com orgulho, ele continua a comentar cada tatuagem. Vejo senhas, símbolos e pistas, representações gráficas de sua origem, de seus sonhos, pesadelos e aspirações. Um corpo marcado com a própria história: a trajetória de vida desse meu mais recente amigo de infância. A exposição dessas imagens converteu-me em sua cúmplice imediata.
Lamentavelmente, estava na hora de ir embora. Levantei e me despedi com certo constrangimento, sentindo-me como quem acaba de violar um diário íntimo sem ter a exata dimensão das emoções ali gravadas. Sou grata a meu novo amigo. Acho que fiz com ele, literalmente, minha primeira leitura corporal. Que narração instigante! E eu, tola, imaginava que textos interessantes se restringiam aos livros.