Naquela manhã o telefone tocou insistentemente, mais que o habitual. Eram as confirmações:
— E então? Você vai hoje à noite?
Entusiasmada, confirmo dizendo que sim. Sempre gostei desses encontros. Afinal, não é fácil reunir esse grupo. Algumas dessas pessoas já trabalharam juntas, parceiras em diferentes fases da vida profissional. Agora, mais de dez anos depois dos primeiros contatos, gostam de se rever, de se encontrar. Mesmo que algumas estejam mais próximas e outras ainda mais distantes que no passado, alguma coisa as une fortemente. Além dos encontros (ultimamente raros), tem havido uma breve, fortuita troca de e-mails: um aviso, um texto oportuno, um comentário intrigante. Mas o vínculo se estreita mais e mais em cada (re)encontro, realizado fielmente há mais de oito anos.
Oito anos... Em comparação com os contatos deletáveis das redes sociais, facebooks e similares, oito anos de vínculo são tempo considerável. Amizades tecidas lentamente em um tear de trocas, respeito e carinho: cada um dá seu ponto, seu nó, sua cor. E o tempo vai sendo trabalhado, moldando uma imensa manta colorida que acolhe e abriga.
Eu amo essa tecelagem entre amigos. Já tricotamos e tecemos juntos. Até tentamos desfazer alguns nós mal tramados, horríveis e doloridos. Desatamos alguns e outros não. Os desfeitos e os que persistem seguem em nossa trama, como marcas visíveis na manta compartilhada. E são exatamente estes que nos tornam pessoas melhores, mais atentas e cuidadosas umas com as outras. São estes nós que nos mantêm mais unidos e menos frívolos.
Se bem que toques de frivolidade entre amigos são uma delícia – uma inesgotável fonte para a ironia e o bom-humor. Um toque fútil, uma tolice qualquer, pode revelar muito mais sobre qualquer aspecto por demais “sério” de nossa vida do que dezenas de comentários circunspectos e taciturnos. E os bons amigos são mestres na manipulação dessas divertidas diferenças individuais.
Diferenças... Como fazem bem, como enriquecem a convivência. É delicioso compartilhar a diversidade do grupo. Todos são (ou atuaram como) cientistas e, consequentemente, possuem espíritos curiosos, irrequietos. Suas áreas de atuação: física, química, biologia, ecologia, economia da saúde e sociologia. E assim, em nossas intermináveis conversas, saltamos com a maior facilidade de um quasar para a Lei Maria da Penha, entre um prosaico gole de vinho e uma garfada na massa com cogumelos, sem ninguém se preocupar com o rastro da poeira das estrelas, embora um brinde tenha sido feito ao avanço nacional contra a violência doméstica. “É um Brasil que agora prende quem bate em mulher, mas que continua a afagar quem rouba”, alguém comentou com ironia afiada pela realidade política nacional.
Novos argumentos sobre a escolha de mais um vinho nos mobilizam, enquanto alguns olhares trocados com a mesa vizinha lembram algo como “paquera”. (Alguém ressuscitou essa palavra jurássica, que poderia hoje ser compreendida como “estar a fins de ficar”.)
Com não menos seriedade, discutimos a seguir as preferências de condimentos de cada um, com mais, menos ou sem alho... e os últimos eventos políticos. Evidentemente, em tudo há um limite para a seriedade. E o álcool (com a boa companhia) libera vastas gargalhadas. A noite vai encerrando o último encontro. Alguém, pagando a conta, se lembra de perguntar:
— E então? Quando a gente se vê novamente?
[FONTE DA IMAGEM: Programas Livres Net]