quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Gritos de dor


Meu amigo José Renato me enviou este texto com dois pedidos: Melhore isto e grite por mim, por favor!

Hoje em São Paulo uma criança de 10 anos atirou na professora e se matou. Uma criança! Não foi tentativa de assassinato nem suicídio; foi um roubo, foram muitos roubos. Roubamos. Eu roubei, tu roubaste, ele roubou, nós roubamos... Não são suficientes os sujeitos diretos e indiretos na língua portuguesa para distribuir tanta culpa. Uma vida mal havia começado e terminou. Mas será, será que havia vida? Vida de criança? E os sonhos, quando os perdeu? Mas crianças não perdem os sonhos; alguém os rouba. E quem os roubou? Crianças possuem voz para falar, cantar, rir, chorar, pedir, implorar. Quem a ouviu? Quem roubou sua voz? Criança tem esperança e esta foi roubada. Que ser dos infernos rouba a esperança de uma criança? Elas têm tanto a oferecer, a crescer, desenvolver, retribuir, e roubaram todos estes direitos dela.

Milhões, bilhões de outras crianças são roubadas de suas vidas diariamente e morrem no corpo, se não na alma. Acabam com os corpos e as almas mirradas. E as deixam vagando num mundo que não aceita fraquezas e as persegue.

Os políticos corruptos, os corruptores, os maus deste mundo? Não! Nós!!! Nós é que desviamos o rosto, que evitamos olhar ou ouvir, que deixamos acontecer o mal, cometemos diariamente o crime de lesa-humanidade. Somos todos torturadores.

Alguns de nós discutimos filosofia e nos achamos super-humanos; outros de nós, religião, e nos classificamos como melhores ou piores que os demais. Alguns de nós nos entretemos com artes e nos aproximamos das musas do Olimpo. Somos todos nobres, altos e elevados em nossas atividades e nos rebaixamos à cegueira e insensibilidade. Frequentemente estes de nós relegam a classe dos fracos e frágeis como menos humanos ou mesmo diabólicos. Mas nenhum estende a mão a um indivíduo ou a voz à multidão ou seus atos aos poderosos. Alguns de nós abraçamos com o coração nossos times e timões ou os partidos políticos e julgamos uns certos e outros errados e dividimos, e de tanto nos importarmos com isto não colocamos o ser-irmão acima das ideias e ideais. Alguns de nós até fazem passeatas para a liberação desta ou daquela droga.

Somos todos culpados desta morte e de outras. Não passamos de animais em bando que, quando aparece o predador, abandonam o mais fraco para o restante do bando sobreviver. Discutimos ciência e razão, filosofia e psicologia, religião e humanidade. Mas, na hora que é para valer, nos reduzimos a elementos de manada. O que é horrendo é que temos consciência e consciência de a termos e nos deixamos animalizar da pior forma, que é o “humananimalizar”. Não atingimos nem o estágio evolutivo para nos tornarmos Mefistófeles e nos tornamos diabretes imbecilizados. Somos Legião. Que vergonha meu Deus!

José Renato Delben

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É claro que nada precisou ser alterado, ou melhorado. José Renato cravou fundo um punhal que faz sangrar porque nunca é usado. Um punhal que, em meu caso, fica guardado anos a fio em uma caixa áspera e pesada, hermeticamente lacrada. Minha caixa é tão difícil de ser localizada que chega a ser invisível. E ela guarda o mesmo punhal que agora senti enterrado em meu peito. E, pela primeira vez, enxerguei – claramente. Em sua lâmina está gravado seu nome: omissão! E que vergonha dolorosa a omissão traz...

Agora só posso atender a um dos pedidos de meu amigo:
Gritar!
Gritar de dor!

 

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