Ela se foi e deixou marcas inesquecíveis naqueles com quem conviveu. Ninguém se aproximava dela sem pagar o preço de se transformar em uma pessoa melhor. Tinha os dons da doçura e da mansidão. E como era sábia...
Tia Dulce querida: foi muito, muito bom tê-la por aqui. Tive o grande privilégio de passar parte da minha vida com a sua presença. Quase todos os dias da minha infância eu saía de casa, autorizada ou não, e atravessava a rua, com lama ou poeira, correndo ao seu encontro. E entrava na sua casa pelos fundos, como um tufão. Primeiro eu chamava o seu nome, depois via se algum primo podia brincar. Lembro-me de você, como hoje. E do carinho com que impregnava cada gesto seu, mesmo o mais simples deles: desde o tempero do guisado com mandioca, o sorriso solidário e a exata quantia de manteiga no pão quentinho, até o conselho em um momento de tristeza e solidão. Uma tia acolhedora, cuidadosa e amiga.
Uma amorosa mãe, dona de uma habilidade agregadora de que nunca vi igual. E que festa era brincar no quintal da sua casa, com meus primos Walter, Dirce, Antoninho, Fernando e Miguel. Os demais ― Marcos, Chico, Inez e Marcelo ― nem haviam nascido nessa época, ou ainda eram muito pequeninos para resistirem às intermináveis guerras com sementes de cinamomo, aos saltos no jogo de amarelinha e à correria do pique.
E ela, pacientemente, olhava a todos com atenção. Que presente era senti-la por perto. Afeto no silêncio, no olhar, no abraço. Conheci poucas pessoas que falassem tanto, tão sabiamente e com tamanha eloquência quanto tia Dulce ao calar-se para me ouvir. Nunca me repreendeu, nunca me reprimiu. Ajudou-me a crescer e, infelizmente, pouco aproveitei a chance. E hoje cá estou, sentindo-me como aleijada e cega perante a agilidade e a visão da vida, da qual quase nada ainda sei, embora tenha sempre admirado o modo como tia Dulce a conduziu.
Obrigada, minha doce e amada tia. Muito obrigada.