Em uma de minhas viagens a Buenos Aires descobri um templo — mais exatamente um ateneu — inteiramente consagrado aos escritos e à leitura. Nenhum nome poderia ser-lhe mais adequado: El Ateneo. Localizado no número 1860 da Avenida Santa Fe, no centro de Buenos Aires, os livros estão ali dispostos de tal maneira que evocam folhetos de peças teatrais ou libretos de ópera. Livros e mais livros, milhares deles, a seu dispor, para que o espetáculo da leitura seja encenado por você, leitor. Essa imagem de fantasia cênica foi certamente estimulada pela beleza do lugar, pois a livraria ocupa um edifício incomum para essa finalidade: um elegante e charmoso teatro, construído em 1860, que foi preservado em todo o seu esplendor original.
Folhear desenhos de Quino — o pai da contestadora Mafalda — degustando café ou chá, ou até uma taça de vinho da casa, no mesmo palco em que um dia Gardel se apresentou... O visitante-leitor passa literalmente a fazer parte do encanto do teatro. A sensação é de ser acolhido pela atmosfera envolvente do lugar.
De volta ao Brasil, descobri que a livraria portenha ocupa o segundo lugar da lista das dez mais importantes do mundo, por sua beleza e valor arquitetônico, como revelou um concurso promovido em 2008 pelo jornal britânico The Guardian. Pesquisei recentemente e descobri que a classificação das dez se mantém inalterada desde então.
A mais bela de todas as livrarias encontra-se em Maastricht, na Holanda. É a Boekhandel Selexyz Dominicanen, que ocupa uma fabulosa construção do século XII: uma antiga igreja dominicana que já não dispunha de congregação e estava sendo usada como depósito de bicicletas, mas que agora é descrita como “uma livraria feita no céu”.
O segundo lugar ainda é da El Ateneo que ocupa o teatro de 151 anos na vizinha Buenos Aires.
A terceira mais bela livraria do mundo está em Portugal, na cidade do Porto. É a Lello & Irmão, que existe como tal desde 1881. Além do edifício em que funciona atualmente, construído em 1909 em estilo gótico, seu ponto-chave é uma intricada e sinuosa escadaria interna, com degraus vermelhos. A livraria também se destaca por um amplo vitral no teto e pelos incontáveis nichos repletos de entalhes e livros, muitos livros.
Que curioso... Uma igreja sem fiéis e um teatro sem atores se transformaram nas duas mais belas livrarias do mundo. Admiro a mentalidade política e cultural que promove e estimula ações desse tipo, permitindo a restauração de imóveis de importância arquitetônica. No Brasil, com certeza teriam sido demolidos para a construção de algum edifício “novo” – e a livraria que funciona ininterruptamente há mais de um século talvez tivesse virado estacionamento...
Há pouco tempo retornei a Buenos Aires. Foi quando Jorge Luis Borges (1899-1986), no El libro de los seres imaginarios, juntamente com bons amigos, me fez companhia em minha mais recente temporada no palco da El Ateneo. E brindamos, com um excelente vinho, ao inestimável prazer da leitura.