sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Máquina de escrever

A gente estava esvaziando a casa da tia no último fim de semana, fazendo uma faxina daquelas, arrastando móveis, abrindo gavetas, vasculhando roupa de cama, louça, quadro, livro – aquela confusão –, quando ouço uma gritaria e meus dois filhos me chamando:

— Manheeeê!
— Faaala – respondi.
— A gente achou uma coisa incrível. Se ninguém quiser, pode ficar pra gente? Pode, hem?
— Depende. Que é?

Os dois falavam juntos, animadíssimos:

— Ééé... uma máquina, mãe.
— É só uma máquina meio velha. É! Mas funciona, tá ótima!

Minha filha interrompeu o irmão mais novo, dando uma explicação melhor:

— Deixa que eu falo! É assim..., é uma máquina, tipo um... teclado de computador, sabe? Só o teclado. Só o lugar que escreve.
— Sei.
— Então. Essa máquina tem, assim, tipo assim... uma impressora, ligada nesse teclado. Assim, ligada direto, sem fio. A gente vai, digita, digita...

E ela ia falando mais alto, com a voz entusiasmada:
— ...e a máquina imprime direto na folha de papel que a gente coloca. Imprime ali mesmo! É muuuito legal! Direto, na mesma hora, eu juro! Sinistro, manhê!

Eu não sabia o que falar. Eu ju-ro que não sabia o que falar diante de uma explicação daquelas, de uma menina de 13 anos, sobre uma máquina de escrever. Era isso mesmo?

— Entendeu, mãe? Zupt! A gente escreve e imprime. A gente até vê a impressão juntinho na hora que vai escrevendo. Não precisa nem entrar no computador, ligar, entrar no Word, nem escrever olhando na tela, mandar pra impressora, esse monte de máquina, de estabilizador, comprar cartucho caro, não precisa de nada disso, mãe! É muuuito legal, e nem precisa colocar na tomada! Funciona sem energia e escreve direto na folha da impressora!
— Nossa, filha...
— Só tem duas coisas: não dá pra trocar a fonte nem aumentar a letra, mas não tem problema. A cor da tinta também tá bem fraquinha, mas acho que tem jeito. Vem, que a gente vai te mostrar. Vem!

Eu parei e fui encontrá-los. E olhei, pasma, os dois com os olhos brilhando ao lado de uma velha máquina de escrever.

— Mãe. Será que alguém da família vai querer? Hem? Ah, a gente vai ficar torcendo, torcendo para ninguém querer, pra gente poder levar lá pra casa. Isso é o máximo! O máximo!

Bem, enquanto estou aqui, neste “teclado” de computador, escrevendo, estou ouvindo o plec-plec da tal máquina, que, claro, ninguém da família quis, mas que aqui em casa deu até briga, de tanto que já foi usada. Está no meio da sala de estar, em lugar nobre, rodeada de folhas e folhas de textos “impressos na hora” por meus filhos.

— Sinistro! – eles dizem. – Plec-plec-plec... Olha só! Plec-plec-plec!

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Encontrei este texto na internet há anos, sem nenhuma indicação de autoria. Guardei-o. Recentemente recebi umas imagens (encontradas pelo Filipe Ferracini) de uns desenhos feitos com máquina de escrever por Keira Rathbone. Foi uma imediata associação de ideias. Peguei o velho texto guardado e me deixei levar pela memória, o que me fez tomar a liberdade de reescrever alguns trechos. Para tanto, apossei-me de minha OLIVETTI – Lettera 22 que continua (quase) como nova e datilografei. O “plec-plec-plec” ainda tem som de rebeldia.

A minha era exatamente assim, verde, tal qual a que está no acervo permanente do MoMA, em Nova York:


 

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