Ela trabalhava
mecanicamente, rígida como um autômato, alheia a vozes e ruídos. Em um cenário
predominantemente feminino, deveria ser apenas mais uma mulher, mas havia
alguma coisa estranha... E logo percebi: entre o som dos secadores, as
conversas desencontradas, risadas e barulho dos esguichos nos lavatórios, havia
um gemido profundo, um choro cortado, rasgado, preso em sua garganta. Por vezes,
este rompia os limites da resistência daquela mulher e explodia, congestionando
seu olhar. Ela, visivelmente envergonhada pelo choro convulsivo, tentava
controlá-lo, em vão. Por
mais que o fizesse, mais forte ele ficava. Até que, por entre escovas e
cabelos, a cliente que ela atendia, minha amiga de infância, falou, toda cheia
de razão:
― Esquece, minha
querida! Logo, logo você coloca outro no lugar dele. Ninguém é insubstituível!
Foi a gota d’água. Não
sobrou nem um resquício de controle. Uma sombra correu para o banheiro e, pela
primeira vez em um salão de cabeleireiros, fez-se silêncio.
Impressionada com o
tamanho da dor, que agora se revelara de amor, comecei o natural ritual de “o
que aconteceu com ela?”. O óbvio: perdera seu amor recentemente.
Fiquei chocada, muito
mais do que eu mesma imaginaria. Como é possível que um amor possa ser
substituído? E assustei todo mundo com um sonoro “nunca!”. Fora de contexto, no
meio dos fios dos secadores e entre pincéis de tinturas, uma chapinha soltou
fumaça e, pela segunda vez em minha vida, assisti uma cena de profundo silêncio
em um cabeleireiro. “Nunca!”, repeti, estimulada pela atenção temporária. E
continuei, inflamada:
― Ninguém é
insubstituível? Como assim? Isso funciona para funcionário público, faxineira,
motoboy... Essa mulher perdeu o amor de sua vida e você quer animá-la falando
em substituição?
Obviamente, minha
amiga me conhecia muito bem e suportou meu estardalhaço com uma risada. “Quer
me matar de susto, Maria Eugênia? Fala sério!”. E continuamos, “falando sério”
sobre nossos amores, perdas e ganhos, por muito tempo.
De alguma forma,
alguns salões de beleza funcionam como áreas livres em que se lavam cabelos e
algumas sujeiras mais. Eu amo meu salão, onde somente os cabelos são lavados e
a roupa suja volta pra casa de quem a levou. Não há contaminação. Nenhum
detalhe foi dado, e tampouco perguntado, sobre a perda “daquele” grande amor.
E, consternadas, colocamos afeto nas feridas amorosas da cabeleireira. Na
saída, sem cabelos brancos, dei-lhe um beijo e gostei de ver seus olhos não
mais tão vermelhos. Mas estraguei tudo. Caí na asneira de lhe falar, bem
baixinho: “Eu acho que nenhum amor tem substituto. Cada um é único. No máximo a
gente consegue ter outro amor, novo. Que será único também.” Pra que eu fui
fazer isso...
Passei dois dias
depois para pagar a conta (agora comecei a esquecer algumas coisas...). E lá
estava ela, fazendo uma escova, com os olhos muito inchados. Quase fiquei com
inveja.
FONTE DA IMAGEM:
Foto de Lolita Azambuja.