Clipei o texto
abaixo da última edição do OI – Observatório da Imprensa
– para compartilhar lucidez! Aproveite:
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Contra o Estado-anunciante
Por Eugênio Bucci em
22/05/2012 na edição 695 do OI
Reproduzido do Estado de S.Paulo, 17/5/2012;
intertítulos do OI
No México,
os meios de comunicação estão se vendendo – e se rendendo – à força do governo.
O diagnóstico é de Rubén Aguilar, professor e jornalista mexicano que foi
porta-voz da Presidência da República de seu país entre 2002 e 2006 (governo
Vicente Fox). “Tudo está à venda”, disse ele durante sua palestra no seminário
“Meios de Comunicação e Democracia na América Latina”, realizado no Instituto
Fernando Henrique Cardoso, em
São Paulo , no final da tarde de terça-feira. E arrematou: “Só
o que se discute é o preço.”
No México
descrito por Aguilar, a tensão entre a imprensa e o poder, que é natural e
desejável nos regimes democráticos, tende a desaparecer para dar lugar a uma
relação de troca negocial, um toma lá, dá cá em que os governantes ganham poder
(com o apoio dos veículos jornalísticos) e os empresários do setor ganham
dinheiro (tendo no Estado um anunciante camarada). Assim, enquanto uns faturam
votos e outros faturam lucros, a sociedade perde: a fiscalização do poder some
de cena e a imprensa se converte em mercadoria política. Diante desse cenário,
o ex-porta-voz foi coerente e se declarou contrário ao uso de verbas públicas
no mercado publicitário. O Estado, quando se converte em anunciante, passa a
constranger, seduzir, cercear ou mesmo chantagear órgãos de imprensa, não
necessariamente nessa ordem. O jornalismo investigativo perde fôlego – e a
democracia, também.
Na abertura
do mesmo seminário, Bernardo Sorj, diretor do Centro Edelstein de Pesquisa
Social, professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro
e organizador do livro Meios de Comunicação e Democracia: Além do Estado e do Mercado (publicado
no ano passado pelo Centro Edelstein), tocou no mesmo ponto. Para ele, devemos
considerar a necessidade de impor limites ao crescente investimento de dinheiro
público em propaganda de governo. Aos que defendem a publicidade governamental
com o tortuoso sofisma de que ela jogaria recursos em pequenos jornais e
emissoras, contribuindo assim para a “diversidade” no debate público, Bernardo
Sorj argumenta, corretamente, que, se for esse o objetivo, o Estado deveria
abrir linhas de financiamento público, a partir de critérios democráticos,
impessoais e transparentes. Essa seria a política adequada para apoiar veículos
menores e fortalecer a pluralidade e a concorrência saudável.
Simbiose
promíscua
Aos poucos,
ainda que tardiamente, vai nascendo entre nós a percepção de que a publicidade
governamental distorce, deforma e degrada o debate público. Ela, que sempre foi
uma unanimidade entre os agentes políticos – basta ver que, no Brasil e em
todos os países da América Latina, os governos anunciam cada vez mais, qualquer
que seja o partido do mandatário –, começa finalmente a ser descrita como
problema para os observadores mais críticos.
Já era
tempo. Aqui mesmo, neste mesmo espaço, esse problema já foi denunciado mais de
uma vez: o que existe hoje nas nossas democracias ainda precárias é uma
simbiose promíscua entre Estado e meios de comunicação privados, gerando um
ecossistema com o qual é muito difícil romper.
No Brasil, a
prática avança numa progressão de enrubescer o erário. Na primeira década do
século 21 será difícil encontrar, na administração pública brasileira, uma
rubrica orçamentária que tenha crescido mais.
Figura
abrutalhada
Comecemos
pela Prefeitura de São Paulo: num intervalo de seis anos, o montante jogado em
publicidade oficial praticamente decuplicou, saltando de R$ 12 milhões em 2005
para R$ 108 milhões em 2010. Na cidade do Rio de Janeiro, a evolução foi ainda
mais estonteante: em 2009, ao menos de acordo com os dados oficiais, a soma
aplicada em publicidade da prefeitura ficou na casa de R$ 0,47 milhão e, em
2011, o total alcançou a cifra de R$ 74 milhões. O governo estadual do Rio de
Janeiro passou de R$ 70 milhões em 2005 para R$ 172,5 milhões em 2011. No
governo federal, conforme cifras divulgadas no site da Secretaria de
Comunicação Social da Presidência da República, a Secom, os gastos da
administração direta e indireta (contando, portanto, com as empresas estatais)
vêm oscilando em torno da marca do bilhão de reais. No ano de 2009 houve um
pico: R$ 1,7 bilhão. Também em 2009, o governo paulista alcançou um ápice de R$
314,6 milhões, ante apenas R$ 33 milhões em 2003.
A que se
destinam tantas fortunas? Elas não geram ambulatórios, não criam vagas nas
escolas públicas, não abrem um só quilômetro de metrô, não aumentam o efetivo
policial, não melhoram as estradas, nada disso. Nem sequer informação elas
oferecem à sociedade. Só o que essa dinheirama produz é fetiche: uma boa imagem
– imagem mercadológica – para aqueles que governam. É bom observar, a
propósito, que a linguagem, a estética e a forma narrativa da propaganda
oficial são idênticas – são as mesmas – às adotadas pelos filmetes partidários
exibidos no horário eleitoral. A propaganda governamental é o prolongamento
escancarado da propaganda eleitoral – e vice-versa. Ao contrário do que dizem
os governantes, não sem cinismo, essas peças de comunicação não informam coisa
alguma – apenas contam lorotas publicitárias.
O pior, o
mais grave de tudo, é que elas esvaziam a independência dos órgãos
jornalísticos de pequeno e de médio porte. Dizem as autoridades da comunicação
oficial que, distribuindo seus milhões para os pequenos, os governos fortalecem
os jornais locais ou “alternativos”. É mentira. A verba pública transformada em
verba anunciante nos jornais e nas emissoras locais produz neles uma
dependência mortal. O dinheiro público entra pela porta e a independência
crítica é expulsa pela janela. Também por isso, a figura novíssima e
abrutalhada do Estado-anunciante só enfraquece a democracia.
Têm razão
Rubén Aguilar e Bernardo Sorj. Mas que político terá coragem de romper com o
ecossistema?
***
[Eugênio
Bucci é jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM]