Exatamente um ano atrás eu brincava, toda
feliz, com meu cachorrinho, quando ouvi, em alto e bom som, uma exclamação
ácida, seguida de uma questão:
―
Mas o que é isso! Por que você não adotou uma criança? ― disse-me
uma prima, visivelmente incomodada com meu afeto.
―
Não adotei uma criança porque eu queria um cachorro! ― respondi,
um tanto surpresa, sem entender bem qual seria a razão da pergunta. E emendei,
em tom de esclarecimento:
―
Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Gente é gente. Bicho é bicho. E eu
estava louca por um cachorrinho.
Não muito satisfeita, a prima mudou de
assunto, conversando com sua madrinha, que estava sentada ao lado. E fiquei
pensando... “Que conflito era aquele?”. O ar severo de minha prima me passou
“uma mensagem de encíclica papal” (como diria Mafalda – de Quino – ao
presenciar uma cena de injustiça social nos anos 70). Ao dedicar meu afeto a um
cachorrinho, estaria eu sendo política e
socialmente incorreta? Confesso que fiquei desconfortável, não por minha
decisão de ter um cachorro e tratá-lo bem, carinhosamente, embora como
cachorro! Meu desconforto se manifestava quando eu revia a cena inicial que
originou a pergunta sobre a adoção. Não tenho absolutamente nada contra adoções
de crianças, muito pelo contrário. Aplaudo a iniciativa. Só não entendo a
comparação entre cachorrinho e criança. São coisas completamente diferentes.
O
tema é polêmico, eu sei. E é bem possível que muitas pessoas façam confusões. Afinal,
quem é dono de todas as suas emoções? É aí que vale a pena lembrar um
comentário de Cesar Ades (1943–2012), que foi professor do Instituto de
Psicologia da USP e um dos pioneiros no estudo de comportamento animal no
Brasil, ao falar sobre a relação entre gente e bichos, em uma recente entrevista:
“São coisas diferentes. O cachorro
nos dá coisas que o ser humano não dá, mas nenhum bicho dá tudo que os humanos
dão. Ele nos dá uma alegria canina. Só isso já é culturalmente válido.”
É
isso! Gente é gente. Cachorro é cachorro. Ou, como tão bem disse um dia o
filósofo do futebol, Rivelino: “Uma coisa
é uma coisa. Outra coisa é outra coisa.” Se você quer uma criança e não
pode tê-la biologicamente, não tenha dúvida: adote! Adote e seja muito feliz!