Ele abriu o envelope e encontrou um
bilhete: “Estou na praça pensando em você, sentada naquele banco.”
Sorriu. Aquela letra redonda e o beijo no
papel, selado pelo batom, eram marcas indeléveis de autoria dela. Somente ela
sentaria naquele banco no final da tarde, ao lado da fonte luminosa, pronta
para assistir o jorrar de águas coloridas na primeira ausência do sol.
O engraxate
maroto, ansioso por uma gorjeta, pergunta se ele não vai mandar uma resposta.
— Claro! –
respondeu. – Meu cantinho!
— O quê? –
perguntou o engraxate.
— Diga “meu
cantinho”. Ela entenderá.
Pelo menos uma vez na semana, na boca da
noite, ela caminhava apressada para a fonte da praça. Não queria perder o
melhor lugar. Tal qual criança esperando pelo recreio, ficava sentada, com os
olhos acesos, ansiosa, sacudindo os pés. O sol já se fora e a qualquer momento
a fonte começaria a jorrar.
Seu olhar, fixo na água, foi desviado por
um vulto. Era o engraxate que voltava.
— Ele disse pra falar
“meu cantinho”.
Ela sorriu. Ele adorava aquele bar. Cheio
de cadeiras preguiçosas, daquelas feitas de cordões grossos de náilon, uma
vermelha, outra verde, algumas azuis. Ele sempre passava a mão no náilon para
ver se estava firme e esticado. Sentava, jogando-se para trás com um longo
suspiro e olhava, pidão, para o garçom de colarinho puído. Num piscar, recebia
sua cerveja predileta (estupidamente gelada) dentro de um tubo de isopor cheio
de furos, com cara de mastigado, com a borda encardida tal qual o colarinho do
garçom.
— Ó Zé! Faz favor!
Troca esse isopor. Isso tá um nojo.
Era seu ritual de final de tarde pelo menos
uma vez na semana. E ela, quanto mais o conhecia, mais gostava de fechar os
olhos e vê-lo em sua rotina. Era impossível não sorrir ao imaginá-lo repetindo
seus pequenos prazeres: reclamar com o garçom, tomar o primeiro gole gelado
lentamente, com os olhos semicerrados por segundos, como se toda a sua energia
e atenção se focassem no sabor da cerveja, até abrir um sorriso de aprovação.
Eles formavam um lindo casal. Não no
sentido estético, porque nenhum dos dois era bonito. Mas era tanto amor, que
rolava uma aura sobre ambos e ela os fazia, inquestionavelmente, belos!
Ela continuava na praça Antônio João, agora
imóvel, com um leve sorriso aprisionado, como hipnotizada pela água colorida
que jorrava da fonte luminosa em uma sequência cadenciada e previsível. O som
da água, as formas e as cores lhe traziam um conforto inestimável. Era como um
voo... Sua alma fazia piruetas e dava saltos (i)mortais, rodopiando, ora
vermelha, ora azul.
O choro alto de uma criança a fez
aterrissar: um sorvete de chocolate estava recém-estatelado na grama. Ela viu
então que já eram oito horas. O tempo havia voado. Levantou-se, atravessou a
praça e foi para a esquina do bar “Meu Cantinho”. A lua cheia já estava alta,
quase competindo com as lâmpadas que, presas a seus soquetes, pareciam cair de
um varal de fios amarrados nos cinamomos.
Ele levantou e a recebeu com os braços
abertos. Deu uma fungada gostosa. Adorava aquele suave cheiro de mato que saia
de seu cabelo. Abraçá-la era como se voltasse a ser criança, moleque, correndo
no guaviral.
Ela adorava beber com ele. Riam. Falavam
bobagens. Vez por outra brigavam. Uma discussão sobre um tema qualquer,
interminável, que poderia ficar pra próxima semana. É isso! Amavam-se em
moto-contínuo e discutiam aos capítulos. Tinham a capacidade de retomar a
polêmica dias depois, no mesmo ponto da cervejada anterior. Mas naquela noite
ela não deu gás a nenhuma fagulha desarmoniosa. Estava doce e cordata. Atenta,
não bebeu demais e sugeriu prazeres para mais tarde. Ele entendeu a mensagem e
pediu logo a conta. Pagou reclamando, só para incomodar o garçom.
Em casa ela acendeu velas, apagou as poucas
lâmpadas, colocou um LP na vitrola e, ao som do rouco bolero melado, trancou-se
no quarto. Ele, ansioso, aguardou na sala. Ela retornou, rindo marota, nua,
enrolada em duas faixas de papel crepom, com um grande laço para presente
amarrado sobre o seio esquerdo.
— Feliz Dia dos
Namorados!
Foi então que ele lembrou. Rápido e sacana,
sacou o melhor de si:
— Feliz Dia dos
Namorados pra você também, meu amor. Não me despi pra presente porque sou seu,
desde o primeiro dia em que te vi na praça, iluminada pela fonte.
Os sorrisos foram sendo apagados por longos
beijos molhados. E aquela noite do Dia dos Namorados nunca mais foi esquecida.