Envelhecer
é acumular idade. No caso de objetos inanimados, o envelhecimento se confunde
com o desgaste provocado por fatores físico-químicos. Nos seres vivos, é
diferente. Muitos animais, por exemplo, passam por um processo de deterioração
(senescência) à medida que envelhecem. As evidências sugerem que não se trata
de um processo universal e inevitável, causado por desgaste mecânico. Como e
por que, então, um processo que resulta em deterioração e morte de seus
portadores se estabeleceu no curso da evolução?
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Envelhecimento
e morte são temas relacionados, de sorte que a pergunta do título costuma vir
acompanhada de outra: por que não vivemos para sempre? Alguém poderia, de modo
simples, dizer: porque ‘morremos antes’. Em termos científicos, no entanto,
essa resposta é bastante insatisfatória – afinal, por que ‘morremos antes’?
Morrer
precocemente é algo que com frequência acomete qualquer animal, de abelhas a
bem-te-vis, de camundongos a chimpanzés. Em circunstâncias naturais, a morte –
entendida aqui como o desaparecimento de um corpo individual – costuma resultar
da ação de inimigos naturais (‘morte entre garras e dentes’) ou do estágio
final da senescência, a deterioração que acompanha o envelhecimento (‘morte por
exaustão’).
Nem
todos os animais, entretanto, passam pelo processo de senescência. Assim,
embora a ‘morte entre garras e dentes’ seja um risco que se corre em um mundo
previamente habitado, a ‘morte por exaustão’ não é tão óbvia ou fácil de
explicar. Hipóteses funcionais, como a da ação destrutiva de radicais livres, a
do acúmulo de moléculas defeituosas ou a do esgotamento de potenciais
genéticos, tentam explicar ‘como’ o processo de deterioração se manifesta. Não
é essa a questão. Estamos interessados em examinar a senescência do ponto de
vista evolutivo: como e por que um processo que leva seus portadores à morte se
estabeleceu no curso da evolução? Em outras palavras, por que, em tantas
espécies animais, a aptidão individual (que combina viabilidade e fecundidade)
declina com a idade?
Envelhecimento
e senescência
O
envelhecimento pode ser definido como o acúmulo de idade. Nesse sentido,
trata-se de um processo inescapável e universal: todos os objetos envelhecem.
No caso de objetos inanimados, o envelhecimento (acúmulo de idade) coincide com
a deterioração causada por fatores físico-químicos (desgaste mecânico ou
combustão, por exemplo). Os seres vivos não estão imunes a isso, mas tais
fatores não são os responsáveis pela deterioração que caracteriza a
senescência. A perda de vigor durante o envelhecimento humano é bem diferente,
por exemplo, do desgaste mecânico que caracteriza o envelhecimento de uma barra
de ferro ou uma pedra.
Podemos
definir senescência como um processo de deterioração caracterizado por um
declínio na aptidão (perda de viabilidade e/ou redução na fecundidade) à medida
que os seres vivos acumulam idade. O envelhecimento é universal, mas a
senescência não: várias espécies parecem imunes a ela, enquanto em outras a
aptidão aumenta após a maturidade. Este último fenômeno (senescência negativa)
parece ser comum principalmente em organismos modulares, como plantas, algas e
cnidários.
Mesmo
entre os seres vivos com senescência, as características do fenômeno variam
muito, incluindo diferenças na longevidade, na idade em que o processo começa e
na velocidade com que avança. Em cavalos, por exemplo, cuja longevidade é de
algumas décadas, a fase senescente tem início tardiamente: corresponde a menos
de um décimo do tempo de vida. Em pavões, que vivem menos de uma década, a fase
tem início antes: corresponde a mais de um quinto do tempo de vida.
Tais
diferenças são observadas não apenas em animais mantidos em cativeiro, mas
também em populações naturais. O curioso é que estudos de campo mostram que, em
populações de animais longevos, uma parcela significativa do total de mortes se
dá nas faixas etárias mais avançadas. E mais: parte expressiva dessas mortes se
deve a fatores internos (‘morte por exaustão’) e não externos (‘morte entre
garras e dentes’), sugerindo que a longevidade individual já estaria próxima do
limite máximo, ao menos em certos casos. A pergunta, então, é: por que
indivíduos que escaparam da ‘morte entre garras e dentes’ ainda assim sucumbem
à ‘morte por exaustão’? Por que não vivem para sempre? Em resumo, por que a
senescência evoluiu?
[...]
FONTE: Costa, F. A. P. L. 2012.
Por que envelhecemos? Ciência Hoje 293: 72-74.