Roselina Colaço Azevedo (1921-2012) é uma dessas pessoas
que deixaram marcas. Eu era uma menina quando a conheci, e ela não passava despercebida.
Era uma mulher jovem, de estatura pequena, que se cobria de preto dos pés à
cabeça: um lenço amarrado como turbante, que mal deixava ver alguns fios do
cabelo fino e ralo; uma camisa de mangas compridas hermeticamente fechada até o
colarinho; uma saia de pregas que chegava ao tornozelo; meias e sapatos sem
salto. Roselina usava tanta roupa, e tão preta, que não permitia vislumbrar nenhum
contorno de seu corpo sob elas.
Em meus olhos de criança, algumas imagens ficaram
fortemente registradas, como que expulsas daquele visual enegrecido: o brilho do
crucifixo preso a uma longa corrente grossa – que Roselina usava sobre a camisa
–, as mãos grossas e sempre feridas e um rosto, de traços enérgicos e duros,
que transmitia uma mansidão bíblica pelo olhar. Definitivamente, Roselina não
era deste mundo.
Não me lembro qual a razão (e tampouco se algum dia ela a
relatou), mas Roselina veio do Nordeste para Dourados em 1936, após abandonar sua
ordem religiosa, onde foi freira — uma pernambucana que nasceu em Limoeiro e
decidiu passar o resto de sua vida em Mato Grosso do Sul. Era uma beata, como se poderia
esperar de sua formação religiosa, frequentava a igreja diariamente e
trabalhava como se fosse várias. Construiu sua própria casa, aos poucos, com a
ajuda de muitos amigos. Cansei de vê-la na escada fazendo serviço de pedreiro.
Lembro-me de quando começou a trabalhar com sua ideia da “Casa da Divina
Providência”.
Roselina realizava, praticamente sozinha, um trabalho
difícil e muito delicado, que até hoje não entendo como aguentava fazer:
recolhia em sua própria casa, tal qual uma providência divina, pessoas
miseráveis que estavam à míngua, abandonadas, doentes, à margem de qualquer
entidade social, estatal ou familiar. Roselina era, literalmente, a última e a
única mão estendida na maioria dos casos de que cuidava. Muitos amigos ajudavam
com doações, alimentos, remédios e pequenos serviços temporários. Mas a
iniciativa e a dura rotina diária eram exclusivamente dela.
Nos anos 50 e 60, lembro-me muito bem, Roselina andava
pela cidade em uma pequena carroça puxada por um cavalo, coletando e carregando
restos de comida – lavagem – para sua criação de porcos. Com uma força
impressionante, ela enchia alguns tonéis e seguia para sua casa. Engordava os
porcos para alimentar seus abrigados e os filhos adotivos, ou para vendê-los
quando necessário. Com o tempo, e a perda do vigor físico, ela continuou
trabalhando, incansável. Fiquei sabendo que, até recentemente, varava
madrugadas costurando roupas e, durante o dia, saía para vendê-las de porta em porta.
Em uma entrevista concedida ao jornal eletrônico Dourados Agora, Roselina relatou que
“sempre enfrentou dificuldades para firmar convênios com o poder público porque
a ‘Casa da Divina Providência’ funcionava em moradia particular e que seu
grande sonho era regularizar a entidade, para obter ajuda governamental a fim
de garantir o sustento de seus ‘desamparados’.”
Roselina Colaço Azevedo morreu antes de concretizar seu
sonho, no último dia 17, aos 91 anos. Saiu daqui pra voltar a usar branco — sua
resplandecente cor interior. E deixou os trajes de luto para todos os
rejeitados, desprezados, doentes abandonados, crianças e idosos maltratados que
ela acolhia com uma bondade que não sei explicar, não entendo — e que me deixa emocionada
quando lembro. Quisera eu ser religiosa, crente, temente, espírita, ou fiel a
qualquer crença. Passaria semanas rezando em agradecimento a tudo o que ela
fez.
Obrigada, muito obrigada, minha querida Roselina!