sábado, 11 de agosto de 2012

Uma história nacional


Aquele era um dia especial. Wellinton, cheiroso e bem barbeado, passava gel no cabelo impacientemente. Sua ansiedade tinha um nome: Rosekely. Em meia hora iria encontrá-la na saída do cabeleireiro Elle e Ella – Unissex. Era o melhor salão do bairro. Com grandes espelhos, arranjos de rosas vermelhas made in China e duas poltronas encapadas com bolinhas de madeira, o salão lembrava a boleia de um caminhão, com ares de camarim de vedete em posto de gasolina na rodovia.

Rosekely era a grande atração do cabeleireiro. Todos os homens do bairro e redondezas faziam seus cortes atentos aos espelhos, acompanhando-lhe as pernas e curvas com o rabo do olho.

Wellinton era o homem mais feliz do mundo. Ele e aquela deusa estavam azarando há meses. Rosekely era do tipo difícil e, para ficar com Wellinton, exigira mudanças radicais em seu comportamento: nada de agitar nas baladas e, depois de levá-la para casa à noite, devia sair da rua rapidinho. Ela exigia e garantia fidelidade. Wellinton, encantado, era todo cordato.

E aquela noite... Os preparativos foram cuidadosos. Wellinton conseguiu um vale com o patrão. Os últimos salários já tinham evaporado em acordos para limpar seu nome na SPC. Ele fazia questão de deixar o passado enterrado, com o nome desimpedido e o coração comprometido. Eram planos antigos, desejados desde a adolescência, memorizados naqueles momentos íntimos quando, tarde da noite, encolhido no beliche, ouvia os berros do pai bêbado e endividado. E, sonolento, mentia para si mesmo... Era somente mais um pesadelo.

Passando o pente no cabelo pela décima vez, Wellinton afastou os maus pensamentos e se olhou no espelho, de lado, de frente... Aprovando a imagem refletida, abriu um sorriso, encheu o peito e deu um longo suspiro. Ela vai dizer sim! Aquela noite seria perfeita. Aflito por um momento, apalpou a carteira. Mas relaxou; o dinheiro era suficiente. Umas cervejas e os ingressos para o bailão estavam garantidos. Em alguns minutos Rosekely estaria em seus braços.

E o tempo voou... Rosekely, linda, dançava no salão. Wellinton ao seu lado, apaixonado, beijava seu corpo com o olhar. O som estava no máximo, com as caixas imensas vibrando cada batida: “Eu quero tchu, eu quero tcha, eu quero tchu, tcha, tcha...” Uma gritaria no salão sufocou o ritmo e Wellinton caiu na pista. Rosekely, sorrindo, agachou-se para ajudá-lo a se levantar. Abraçada a ele sentiu um líquido quente escorrendo por sua mão.

Um novo amor estava pulsando, novo, lindo, cheio de esperanças! E uma bala perdida encontrou o peito de Wellinton. O assalto ao lado deu errado, Rosekely não disse sim e Wellinton vai ser um número a mais na estatística nacional sobre a escalada do crime.

Coisas de um Brasil pobre na política e rico no narcotráfico, na corrupção e na violência que assassinam centenas de Wellintons por ano e geram outros tantos impunes, cínicos e acomodados. Alguns até criam mensalinho e mensalão... E se gritar “pega ladrão”? Sobram muitos, meu irmão! Todos tão inocentes...

 

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