Aquele era um dia especial. Wellinton,
cheiroso e bem barbeado, passava gel no cabelo impacientemente. Sua ansiedade
tinha um nome: Rosekely. Em meia hora iria encontrá-la na saída do cabeleireiro
Elle e Ella – Unissex. Era o melhor
salão do bairro. Com grandes espelhos, arranjos de rosas vermelhas made in
China e duas poltronas encapadas com bolinhas de madeira, o salão lembrava
a boleia de um caminhão, com ares de camarim de vedete em posto de gasolina na
rodovia.
Rosekely era a grande atração do
cabeleireiro. Todos os homens do bairro e redondezas faziam seus cortes atentos
aos espelhos, acompanhando-lhe as pernas e curvas com o rabo do olho.
Wellinton era o homem mais feliz
do mundo. Ele e aquela deusa estavam azarando há meses. Rosekely era do tipo
difícil e, para ficar com Wellinton, exigira mudanças radicais em seu
comportamento: nada de agitar nas baladas e, depois de levá-la para casa à
noite, devia sair da rua rapidinho. Ela exigia e garantia fidelidade. Wellinton,
encantado, era todo cordato.
E aquela noite... Os preparativos
foram cuidadosos. Wellinton conseguiu um vale com o patrão. Os últimos salários
já tinham evaporado em acordos para limpar seu nome na SPC. Ele fazia questão
de deixar o passado enterrado, com o nome desimpedido e o coração comprometido.
Eram planos antigos, desejados desde a adolescência, memorizados naqueles
momentos íntimos quando, tarde da noite, encolhido no beliche, ouvia os berros
do pai bêbado e endividado. E, sonolento, mentia para si mesmo... Era somente
mais um pesadelo.
Passando o pente no cabelo pela
décima vez, Wellinton afastou os maus pensamentos e se olhou no espelho, de
lado, de frente... Aprovando a imagem refletida, abriu um sorriso, encheu o peito
e deu um longo suspiro. Ela vai dizer sim! Aquela noite seria perfeita. Aflito
por um momento, apalpou a carteira. Mas relaxou; o dinheiro era suficiente.
Umas cervejas e os ingressos para o bailão estavam garantidos. Em alguns
minutos Rosekely estaria em seus braços.
E o tempo voou... Rosekely, linda,
dançava no salão. Wellinton ao seu lado, apaixonado, beijava seu corpo com o
olhar. O som estava no máximo, com as caixas imensas vibrando cada batida: “Eu
quero tchu, eu quero tcha, eu quero tchu, tcha, tcha...” Uma gritaria no salão
sufocou o ritmo e Wellinton caiu na pista. Rosekely, sorrindo, agachou-se para
ajudá-lo a se levantar. Abraçada a ele sentiu um líquido quente escorrendo por
sua mão.
Um novo amor estava pulsando,
novo, lindo, cheio de esperanças! E uma bala perdida encontrou o peito de
Wellinton. O assalto ao lado deu errado, Rosekely não disse sim e Wellinton vai
ser um número a mais na estatística nacional sobre a escalada do crime.
Coisas de um Brasil pobre
na política e rico no narcotráfico, na corrupção e na violência que assassinam centenas
de Wellintons por ano e geram outros tantos impunes, cínicos e acomodados.
Alguns até criam mensalinho e mensalão... E se gritar “pega ladrão”? Sobram
muitos, meu irmão! Todos tão inocentes...