Sou fã de carteirinha do texto leve e inteligente de
Alberto Dines. Hoje, no Observatório da
Imprensa, ele faz um manifesto sobre a crítica visceral do bom humor
— “O riso é libertário. Impossível suprimi-lo, sufocá-lo.” — e as charges
anti-islâmicas do semanário satírico francês Charlie Hebdo. Um artigo irretocável. Aproveite:
DO
VANDALISMO AO VAUDEVILLE
Qual é a graça? Um manifesto
Por Alberto Dines em 25/setembro/2012, na edição
713 do OI – Observatório da Imprensa
O homem é o único animal que ri e este particularismo faz
do humor um tema da maior seriedade. Socrátes, São Tomás de Aquino, Immanuel
Kant debruçaram-se sobre as diferentes formas de humor, mas Sigmund Freud
parece ter encontrado a melhor interpretação – ou, pelo menos, a mais política
– ao constatar que o riso é resultado da remoção de uma censura interna.
Alívio.
O riso é libertário. Impossível suprimi-lo, sufocá-lo.
Graças ao riso o rei infalível aparece nu, inexpugnáveis muralhas mostram-se
feitas de barro e vilões mal-encarados ficam ridículos sentados na privada.
Comédias derrubaram déspotas ainda no império romano, sátiras desarmaram a
ignorância da Inquisição portuguesa, os pequenos pasquins do Renascimento
sugeriram piadas que de outra forma não poderiam ser engendradas.
Contra a ignorância
Caricatura vem do italiano caricare, carregar, exagerar, buscar o grotesco; charge vem do
francês, charger, forçar; cartum vem
do inglês, cartoon, cartão, onde se
fazem desenhos humorísticos. O Ocidente fez do riso uma arma a um tempo
destruidora e enriquecedora, agressiva e benfazeja, ponte e ruptura.
De qualquer forma, a caricatura é essencialmente
jornalística, como escreveu Henry James, porque é “a crítica do momento no
exato momento”. O que nos leva a concluir que as charges anti-islâmicas do
semanário satírico francês Charlie Hebdo não
são engraçadas porque se mostraram flagrantemente oportunistas, extemporâneas,
obrigatórias.
Se o paroxismo produzido pelo clipe anti-Maomé escancarou
a distância do mundo islâmico da noção elementar de liberdade de expressão, o
sensacionalismo do Charlie Hebdo mostra
como a “imprensa livre” tripudia sobre as regras de convivência democrática. Se
o mau humor não consegue produzir bom humor, algo desandou – no traço, na letra
ou no espírito do gozador.
Inexiste um conflito entre as civilizações quando o
Oriente deixa-se levar pelo delírio e o Ocidente pelo vaudeville.
Caricaturistas, uni-vos contra a simploriedade. Abaixo a
repetição, vamos gozar os chargistas sem inspiração.
FONTE DO TEXTO:
FONTE DA IMAGEM: Edição 713 –