domingo, 23 de dezembro de 2012

“Croniqueta natalina” de Tão Gomes Pinto



Exatamente hoje, 23 de dezembro, há 57 anos, eu perdia meu pai, Fausto Gomes Pinto. Eu tinha 15 anos e um único terninho de calça comprida. Era marrom.

Durante o velório, com o corpo do meu pai ali na sala de jantar toda paramentada de panos negros, me vêm à memória cenas esgarçadas pelo tempo, esse instrumento que o destino usa para nos trair, enganar.

Lembro de uma certa agitação de tias e aparentadas - achavam que eu não podia ir ao enterro de terno marrom -, lembro que no jardim da casa da Rua Amélia 156, amigos e parentes de meu pai contavam piadas para ajudar a passar o tempo...

Ah, sim! Lembro a frase de tio Augusto Nery, desembargador: "Coitada da Otillia (minha avó materna), as pessoas passam e ela continua".

Enfim, de pouca coisa me lembro daquela véspera de Natal. Aos 15 anos, eu não avaliava a dimensão da perda de um pai. Hoje, aos 73 anos, eu a sinto com toda intensidade.

Eu devia ter conhecido melhor aquele homem. Até tentei mergulhar naquele silêncio, naquele temperamento fechado, angustiado é claro. Mas devia ter ido mais fundo.

Meu pai, funcionário exemplar do Banco do Brasil - chegou a ser procurador do banco - que jantava de paletó e gravata.

Meu Deus, que atormentada deveria ser a alma daquele homem, que sonhos ele sonhou...

Ele odiava o Banco do Brasil, onde trabalhou 30 anos. Dizia que um dia ainda entraria à cavalo na sede do banco, então no centro velho, na rua Alvares Penteado.

E sempre comentava, claro, com ironia, o telegrama que recebeu de seu tio Álvaro quando foi aprovado no concurso para ser funcionário do banco, na época uma profissão cobiçada. Tio Alvaro escreveu: "Parabéns, você começa onde muitos acabam".

Enfim, a cada ano, nestes dias de festa, a imagem do "seu" Fausto vai ficando mais nítida para mim. E a cada ano aumenta a minha angustia por não te-lo conhecido melhor.

Tão Gomes Pinto

[texto clipado do Facebook, em 23 de dezembro de 2012.]
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Tão é jornalista, filho de Fausto e Wega Nery Gomes Pinto, trabalhou nas equipes que criaram o Jornal da Tarde e as revistas Veja e IstoÉ. Foi Secretário de Imprensa do governador Franco Montoro, Chefe de Comunicação Social do ministro Roberto Gusmão, do prefeito de Campinas, Jacó Bittar, assessor de imprensa dos senadores Carlos Wilson e Delcídio Amaral. Entre outras atividades, foi diretor de Redação da IstoÉ, da revista Manchete, redator-chefe da revista Imprensa, repórter especial e colunista da Folha de S.Paulo, chefe da sucursal paulista do Correio Braziliense, trabalhou como repórter no Notícias Populares e começou sua carreira como repórter da Ultima Hora de São Paulo. Foi consultor de campanhas eleitorais. Tem três livros publicados. É casado, tem filhos e netos. É blogueiro ativo no domínio www.taogomes.com

 

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