Exatamente
hoje, 23 de dezembro, há 57 anos, eu perdia meu pai, Fausto Gomes Pinto. Eu
tinha 15 anos e um único terninho de calça comprida. Era marrom.
Durante
o velório, com o corpo do meu pai ali na sala de jantar toda paramentada de
panos negros, me vêm à memória cenas esgarçadas pelo tempo, esse instrumento
que o destino usa para nos trair, enganar.
Lembro de uma certa agitação de tias e
aparentadas - achavam que eu não podia ir ao enterro de terno marrom -, lembro
que no jardim da casa da Rua Amélia 156, amigos e parentes de meu pai contavam
piadas para ajudar a passar o tempo...
Ah, sim! Lembro a frase de tio Augusto Nery,
desembargador: "Coitada da Otillia (minha avó materna), as pessoas passam
e ela continua".
Enfim, de pouca coisa me lembro daquela véspera
de Natal. Aos 15 anos, eu não avaliava a dimensão da perda de um pai. Hoje, aos
73 anos, eu a sinto com toda intensidade.
Eu devia ter conhecido melhor aquele homem. Até
tentei mergulhar naquele silêncio, naquele temperamento fechado, angustiado é
claro. Mas devia ter ido mais fundo.
Meu pai, funcionário exemplar do Banco do
Brasil - chegou a ser procurador do banco - que jantava de paletó e gravata.
Meu Deus, que atormentada deveria ser a alma daquele
homem, que sonhos ele sonhou...
Ele odiava o Banco do Brasil, onde trabalhou 30
anos. Dizia que um dia ainda entraria à cavalo na sede do banco, então no
centro velho, na rua Alvares Penteado.
E sempre comentava, claro, com ironia, o
telegrama que recebeu de seu tio Álvaro quando foi aprovado no concurso para
ser funcionário do banco, na época uma profissão cobiçada. Tio Alvaro escreveu:
"Parabéns, você começa onde muitos acabam".
Enfim, a cada ano, nestes dias de festa, a
imagem do "seu" Fausto vai ficando mais nítida para mim. E a cada ano
aumenta a minha angustia por não te-lo conhecido melhor.
Tão Gomes Pinto
[texto clipado do Facebook, em
23 de dezembro de 2012.]
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Tão é jornalista, filho de
Fausto e Wega Nery Gomes Pinto, trabalhou
nas equipes que criaram o Jornal da Tarde
e as revistas Veja e IstoÉ. Foi Secretário de Imprensa do
governador Franco Montoro, Chefe de Comunicação Social do ministro Roberto
Gusmão, do prefeito de Campinas, Jacó Bittar, assessor de imprensa dos
senadores Carlos Wilson e Delcídio Amaral. Entre outras atividades, foi diretor
de Redação da IstoÉ, da revista Manchete, redator-chefe da revista Imprensa, repórter especial e colunista
da Folha de S.Paulo, chefe da
sucursal paulista do Correio Braziliense,
trabalhou como repórter no Notícias
Populares e começou sua carreira como repórter da Ultima Hora de São Paulo. Foi consultor de campanhas eleitorais. Tem
três livros publicados. É casado, tem filhos e netos. É blogueiro ativo no
domínio www.taogomes.com