sábado, 30 de março de 2013

Encontro com a leveza


Uma ampla janela de vidro me mantém quase dentro de meu jardim. Um privilégio, um presente que me dei. Na antiga correria cotidiana, quando as manhãs voavam, eram raros os dias em que eu apreciava o rebroto de uma planta, e sequer me detinha para um café, antes de sair correndo para universidade. Hiperativa durante décadas de trabalho, no fundo eu sonhava com uma vida calma. Atualmente consigo evitar a pressa e não mais permito que as manhãs voem. Hoje elas fluem lentamente, enquanto os beija-flores de meu jardim, estes sim, estão sempre apressados!

Sorver cada dia... Uma mudança e tanto de ritmo. Percebo que se trata de uma regalia ímpar, para poucos. Um privilégio planejado e conquistado com perseverança e simplicidade. Amo passar dia após dia na mansidão, lendo, escrevendo e observando minhas plantas. O prazer de cuidá-las, vê-las crescer e florir faz de mim uma pessoa melhor. Meu café da manhã, degustado ao lado do jardim, transforma o início do dia em uma homenagem à vida. Fico inundada de luz enquanto azuis e verdes metálicos cortam o ar, borboletas salpicam as folhas de amarelos intensos e eu respiro, profundamente, todo o ar a que tenho direito.

Mas hoje levei um susto. Um baque me chamou atenção e encontrei um beija-flor debatendo-se após um choque contra a janela. Corri a socorrê-lo. Foi como se minha mão envolvesse uma mancha metálica macia e morna. A leveza era tal que ele mais parecia uma bolha de ar. Uma bolha que pulsava forte e incessantemente. Eu segurava um coração de plumas brilhantes. Ficamos assim por minutos: ele, com suas ínfimas garras cravadas na palma de minha mão, e eu, deslumbrada com aquele sopro de vida, sem saber o que fazer. Não me lembro de ter um dia vivenciado sensação igual. A força e a fragilidade unidas na beleza daquela minúscula vida pulsante. Fiquei aterrorizada quando o vi fechando os olhos. “Ele vai morrer!”, pensei. E, para meu desespero, seu coração foi batendo cada vez mais devagar. Mas o que me parecia ser a proximidade do fim revelou-se uma lenta recuperação. Para minha alegria, ele abriu as asas, fez um breve voo e, retornando, pousou em meu ombro. Foi como um toque divino que me encheu os olhos d’água. Fiquei imóvel, agradecida. Nunca antes a leveza da vida havia me tocado tão claramente.
 

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