Por vezes entro em fases pouco
produtivas, com dificuldades para escrever. Qualquer desculpa serve para
postergar o artigo, nenhuma ideia parece ser interessante o suficiente para ser
levada a sério e uma sensação desconfortável começa a dar voltas como um velho
relógio de corda. Nessas horas não há desafio maior que uma página em branco impondo-se
à minha frente, desafiadora. Não há como ignorá-la. A página sem traços convida
ao uso, instiga, onde quer que esteja — estendida sobre a mesa ou na tela de
computador.
Papéis em branco e ideias que não
afloram... O desespero dos escritores e dos jornalistas: o branco e o deadline.
Rápido! Rápido! A caneta morosa, que clamava por caligrafia legível, foi sucedida
pelo piscar nervoso do cursor,
que incessantemente exige mais um caractere, mais uma palavra, mais uma ideia
no parágrafo que nunca se completa — e a hora passa, o prazo se esgota, o
jornal tem que ir para as ruas e uma nova edição já tem que estar em preparo:
novas páginas em branco, como um pesadelo recorrente.
Nesses momentos, sonho com a vida
dos poetas românticos, dos alucinados que levavam meses rondando o alpendre da
amada bebendo versos com o olhar e devorando palavras com suas poesias, sem
compromisso com o tempo. Mas cá estou, no século 21, sufocando minha alma
romântica e boêmia e blasfemando contra a energia elétrica que me aproximou do virtual
e me afastou das lamparinas, com sua luz bruxuleante e sua chama esfumaçada que
amarelava minha página em branco e tingia-me o nariz de fuligem, após
tentativas insones de fixar no papel o que uma adolescente apaixonada sentia.
Mas retorno à realidade e reconheço
a praticidade (não-poética) que um computador oferece. Concentro-me então nas
palavras que tingem o monitor e dão forma a meu pensamento que flui, como um
pintor que manipula cores na palheta e preenche a tela branca a seu dispor. E,
começando a vislumbrar a obra pronta, percebo quão exigente, mas irresistível, é
o apelo do espaço em
branco. Tanto no cristal líquido do monitor como no linho
branco de uma tela tensionada no chassi, qualquer intervenção é possível:
traços, palavras, rabiscos, pinceladas clássicas, heréticas, herméticas ou
abertas.
Acabo por ceder. Desisto de
resistir, de uma vez por todas. Deixo-me seduzir e preencho a página em branco
com prazer. E veja só... Quem diria? Concluo o artigo com mil ideias para a
semana que vem.