sábado, 26 de outubro de 2013

Primavera nem um pouco silenciosa

Ventou muito naquela manhã e a passarada se agitou. Acordei com uma sinfonia desafinada, repleta de trinados agudos, gorjeios e arrulhos desajeitados. Preocupada com os efeitos da ventania, levantei para ir ao jardim, pronta para podar ramos quebrados e catar pitangas caídas. Nos fundos da casa, a varanda mais parecia uma mulher com olheiras profundas e longas madeixas desgrenhadas. Nada estava no lugar — cadeiras caídas, vasos tombados, terra derramada, folhas espalhadas pelo chão.

Com o gramado coberto de pequenos ramos, galhos e flores murchas, o jardim estava de pernas pro ar. Fiquei preocupada com a visão de algumas penas esparramadas. Foi quando encontrei, meio escondida, uma pomba com filhotes em seu ninho. Involuntariamente, acabei sendo ruidosa ao me aproximar. Curiosa, mas com cautela, ela deixou-se ver sobre a folha imensa da palmeira-azul, onde os gravetos do ninho mais pareciam uma arapuca em constante equilíbrio, dançando sob o vento que ainda persistia em lufadas repentinas. Mãe equilibrista! Deve ser uma tranquilidade para quem é pássaro. Mas a questão vai muito além: não basta ter asas; tem que saber usá-las. E não deve ser nada fácil ser filhote de passarinho ou de pomba, um “passarão”... Chamar a mãe sem atrair gaviões, ficar forte, equilibrar-se no balanço do ninho e aprender a voar.

A mãe natureza segue seus propósitos, com ou sem ventania. E a primavera, com sua algazarra e fertilidade no ar, continua a trazer ninhos, ovos e filhotes. Vidas que se equilibram. Muitas são ceifadas prematuramente, estateladas no chão como um inábil trapezista principiante, enquanto outras tantas escapam ilesas, como crias abençoadas.

Filhotes me encantam. Adoro observá-los na primeira incursão fora do ninho. Alçando voos rasteiros e cambaleantes, encontram abrigo temporário entre pitangas, de onde se aprumam para um novo bater de asas. No entanto, sem a proteção materna e da palmeira, acabam tornando-se presas fáceis sobre a grama verde. Mas que espertinhos! Uma programação escondida em seus genes os leva de imediato a procurar ambientes da mesma cor de suas penas, confundindo a visão dos predadores. Camuflagem, quem diria. Uma técnica tão “humana”...

Acompanho as aventuras desses pré-adolescentes no primeiro dia fora de casa, até ser distraída por outra descoberta ou algum pensamento. Quando me dou conta, não vejo mais nenhum deles, nem sobre a grama, nem camuflados. Terão alçado um longo voo?

No dia seguinte, uma leve brisa nem traz lembranças da ventania de ontem. Próximos ao ninho vazio, namorados arrulham sem parar. E a primavera, sorridente, borrifa feromônios no ar.

 

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