Ventou muito naquela manhã e a passarada se agitou.
Acordei com uma sinfonia desafinada, repleta de trinados
agudos, gorjeios e arrulhos desajeitados. Preocupada com os efeitos da
ventania, levantei para ir ao jardim, pronta para podar ramos quebrados e catar pitangas caídas.
Nos fundos da casa, a varanda mais parecia uma mulher com olheiras profundas e longas
madeixas desgrenhadas. Nada estava no lugar — cadeiras caídas, vasos tombados, terra
derramada, folhas espalhadas pelo chão.
Com o gramado coberto de pequenos ramos, galhos e flores
murchas, o jardim estava de pernas pro ar. Fiquei preocupada com a visão de algumas
penas esparramadas. Foi quando encontrei, meio escondida, uma
pomba com filhotes em seu ninho. Involuntariamente, acabei sendo ruidosa ao me
aproximar. Curiosa, mas com cautela, ela deixou-se ver sobre a folha imensa da
palmeira-azul, onde os gravetos do ninho mais pareciam uma arapuca em constante
equilíbrio, dançando sob o vento que ainda persistia em lufadas repentinas. Mãe
equilibrista! Deve ser uma tranquilidade para quem é pássaro. Mas a questão vai
muito além: não basta ter asas; tem que saber usá-las. E não deve ser nada
fácil ser filhote de passarinho ou de pomba, um “passarão”... Chamar a mãe sem
atrair gaviões, ficar forte, equilibrar-se no balanço do ninho e aprender a
voar.
A mãe natureza
segue seus propósitos, com ou sem ventania. E a primavera, com sua algazarra e fertilidade
no ar, continua a trazer ninhos, ovos e filhotes. Vidas que se equilibram.
Muitas são ceifadas prematuramente, estateladas no chão como um inábil trapezista
principiante, enquanto outras tantas escapam ilesas, como crias abençoadas.
Filhotes me
encantam. Adoro observá-los na primeira incursão fora do ninho. Alçando voos rasteiros
e cambaleantes, encontram abrigo temporário entre pitangas, de onde se aprumam
para um novo bater de asas. No entanto, sem a proteção materna e da palmeira, acabam
tornando-se presas fáceis sobre a grama verde. Mas que espertinhos! Uma
programação escondida em seus genes os leva de imediato a procurar ambientes da
mesma cor de suas penas, confundindo a visão dos predadores. Camuflagem, quem
diria. Uma técnica tão “humana”...
Acompanho as
aventuras desses pré-adolescentes no primeiro dia fora de casa, até ser distraída
por outra descoberta ou algum pensamento. Quando me dou conta, não vejo mais nenhum
deles, nem sobre a grama, nem camuflados. Terão alçado um longo voo?
No dia seguinte, uma
leve brisa nem traz lembranças da ventania de ontem. Próximos ao ninho vazio,
namorados arrulham sem parar. E a primavera, sorridente, borrifa feromônios no
ar.