Passei muitas noites de minha infância
agarrada a um leãozinho de retalhos de pano. Com sua longa juba de listras amarelas
e duros olhos negros de botões, ele me protegia de seres noturnos enigmáticos
que habitavam a fazenda nas fases de lua nova, quando tudo ficava escuro como
breu e inundado por ruídos indecifráveis. Com os olhos cerrados eu enxergava grilos
gigantes, curiangos com olhos esbugalhados e onças que passavam lentamente por minha
janela. Guardião de meus sonhos, aquele leãozinho afugentava os monstros de meus
pesadelos.
Bichos de retalhos são raros hoje em
dia. Foram substituídos por pelúcia e outros materiais sintéticos,
antialérgicos. O meu ficava imundo e mudava a cada lavada... Desfiava,
desbotava, envelhecia – um leão perecível, tal qual a vida a meu redor. E, aos
poucos, seu rígido olhar de botões foi substituído por olhares mansos e
mutáveis. Aprendi a conviver com o medo e a apreciar, mais e mais, os animais vivos.
Ah, nossos bichos... Em nome deles, e
graças a eles, damos vazão a muitos sentimentos e atendemos necessidades de alimentação,
de segurança, de companhia. Assim, evolutivamente, passamos de coletores e
caçadores a “criadores”, domesticando nossa comida, e também introduzindo
bichos no convívio doméstico. Selecionamos, século após século, as qualidades desejadas:
agressividade, mansidão, obediência.
Cães não nos amam incondicionalmente.
Simplesmente fizemos a seleção de cruzamentos de raças dóceis que tivessem, cada
vez mais, a propalada fidelidade canina e aquele olhar de entrega que derrete
corações. Pesquisas arqueológicas revelam que a domesticação dos cães ocorreu há
pelo menos 10 mil anos, e algumas escavações mostram que eles alcançaram tanto prestígio
que eram enterrados com seus donos. No Egito e na Grécia, os cultos ao deus
Chacal e a Argos – o cão de Ulisses – são testemunhos de nossas profundas e místicas
relações. Mas ninguém supera os gatos em questões sobrenaturais. A historiadora
Mary Del Priore relata que em tempos remotos eles eram vistos como enviados dos
deuses e tinham tanta importância entre os egípcios que, se um gato morresse,
toda a família se enlutava.
Séculos de convivência... Cães e gatos
povoam nosso cotidiano e continuam a encantar meninos e meninas (e adultos
também). Acredito que ganhamos pontos na escala evolutiva com esse convívio.
Aprendemos com os bichos como é ficar mais humanos.
FONTE DA IMAGEM: meu cachorrinho...
afinal, sou uma humana aprendiz.