Todo ano vivencio a
mesma coisa: andando pelas ruas da cidade, necessito estacionar antes que um
acidente aconteça. Mas a culpa não seria bem minha. São os ipês, os flamboyants, as cássias-imperiais, as
paineiras e até algumas quaresmeiras e uns raríssimos paus-brasil. É impossível
resistir. Quero olhar para cima e para todos os lados, fascinada. E não estou
sozinha nesse descuido. Outros motoristas também são prontamente atraídos e, arrebatados,
freiam bruscamente, alheios ao trânsito. Imersa em tanta beleza, sinto-me como um
rio que quer estancar seu curso para absorver suas margens.
Em meio à cidade,
há árvores que me remetem a uma paz que poucas vezes encontro. E quando
florescem em profusão sinto-me acolhida em um grande abraço. Mas uma coisa sempre
me deixou intrigada: as floradas dos ipês. Próximos ou distantes, e até em
cidades diferentes, eles florescem simultaneamente, como que obedecendo a uma
ordem velada. E um dia descobri que tal “ordem” existe mesmo. Trata-se de uma estratégia
reprodutiva, em que o comando “florescer!” é transmitido por uma série de
condições, envolvendo essas árvores e o ambiente.
As plantas tropicais
são um capítulo à parte em questões de reprodução. Um botânico americano, Alwyn
Gentry (1945-1993), dedicou sua vida acadêmica a estudá-las. Ao investimento que
os ipês fazem ao florescerem simultaneamente, e com muitíssimas flores em cada planta,
Gentry deu o nome de estratégia big-bang (que em português ficou conhecida
como “florada explosiva”).
Para mim, os ipês estão
entre os mais tresloucados estrategistas. Ao perderem todas as folhas e ao
mesmo tempo cobrirem-se inteiramente por flores vistosas, fazem o equivalente a
passar semanas em jejum e vestir-se com a mais atraente das roupagens, envoltos
em um suave perfume, somente para fazer sexo. Talvez a isso, inconscientemente,
se deva o susto que levamos no trânsito ao depararmos com alamedas de ipês explodindo
em flor. Em
nossa ingênua visão do universo botânico, repleto de prosaicas e bem-comportadas
plantinhas, sequer supomos que estamos assistindo um ritual de acasalamento:
uma orgia vegetal.
A vida é mesmo uma
sucessão de espantos e descobertas que a ciência pode mostrar de forma ainda
mais intrigante. Fico até repensando a meta de, em outra vida, retornar ao
planeta como pitangueira (afinal, sou do gênero Eugenia). Pois é... Talvez seja bem mais divertido ser Ipê!
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Créditos das fotos:
IPÊ ROSA - Maria Eugênia C. Amaral
IPÊ AMARELO - Gerson Ferracini
IPÊ ROSA - Maria Eugênia C. Amaral
IPÊ AMARELO - Gerson Ferracini