quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Florescer é preciso!


Todo ano vivencio a mesma coisa: andando pelas ruas da cidade, necessito estacionar antes que um acidente aconteça. Mas a culpa não seria bem minha. São os ipês, os flamboyants, as cássias-imperiais, as paineiras e até algumas quaresmeiras e uns raríssimos paus-brasil. É impossível resistir. Quero olhar para cima e para todos os lados, fascinada. E não estou sozinha nesse descuido. Outros motoristas também são prontamente atraídos e, arrebatados, freiam bruscamente, alheios ao trânsito. Imersa em tanta beleza, sinto-me como um rio que quer estancar seu curso para absorver suas margens.

Em meio à cidade, há árvores que me remetem a uma paz que poucas vezes encontro. E quando florescem em profusão sinto-me acolhida em um grande abraço. Mas uma coisa sempre me deixou intrigada: as floradas dos ipês. Próximos ou distantes, e até em cidades diferentes, eles florescem simultaneamente, como que obedecendo a uma ordem velada. E um dia descobri que tal “ordem” existe mesmo. Trata-se de uma estratégia reprodutiva, em que o comando “florescer!” é transmitido por uma série de condições, envolvendo essas árvores e o ambiente.

As plantas tropicais são um capítulo à parte em questões de reprodução. Um botânico americano, Alwyn Gentry (1945-1993), dedicou sua vida acadêmica a estudá-las. Ao investimento que os ipês fazem ao florescerem simultaneamente, e com muitíssimas flores em cada planta, Gentry deu o nome de estratégia big-bang (que em português ficou conhecida como “florada explosiva”).

Para mim, os ipês estão entre os mais tresloucados estrategistas. Ao perderem todas as folhas e ao mesmo tempo cobrirem-se inteiramente por flores vistosas, fazem o equivalente a passar semanas em jejum e vestir-se com a mais atraente das roupagens, envoltos em um suave perfume, somente para fazer sexo. Talvez a isso, inconscientemente, se deva o susto que levamos no trânsito ao depararmos com alamedas de ipês explodindo em flor. Em nossa ingênua visão do universo botânico, repleto de prosaicas e bem-comportadas plantinhas, sequer supomos que estamos assistindo um ritual de acasalamento: uma orgia vegetal.

A vida é mesmo uma sucessão de espantos e descobertas que a ciência pode mostrar de forma ainda mais intrigante. Fico até repensando a meta de, em outra vida, retornar ao planeta como pitangueira (afinal, sou do gênero Eugenia). Pois é... Talvez seja bem mais divertido ser Ipê!

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Créditos das fotos:
IPÊ ROSA - Maria Eugênia C. Amaral
IPÊ AMARELO - Gerson Ferracini


 

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