Em minha infância,
dezembro era sinônimo de celebração: férias, presentes no Natal e mais férias.
Férias! Como eram bem-vindas!
Correr no pomar do
sítio, sem nenhuma preocupação de tempo: perder horas olhando ninho de
passarinho, cutucando bicho de goiaba, espremendo amora caprichosamente pra
ficar com as unhas pintadas de roxo, seguir carreiro de formiga só para
incomodá-las com uma pista de obstáculos — pedras de todos os tamanhos,
gravetos, buracos e fendas, verdadeiros canyons
em minha imaginação — e depois chupar manga no pé, lá no alto da mangueira,
onde as mais amarelas e doces teimavam em ficar, e então levar um tempão para
descer, assustada com o vento e as sombras, enxergando um saci pronto a me
castigar pelo ovo derrubado do ninho da sabiá.
Um grito distante,
um chamado, me trazia o conforto da realidade. E a voz paterna que enchia o
pomar com meu nome me dava forças para vencer as sombras do final da tarde. E
voltava eu para casa — correndo.
A infância devia
ser designada como a idade da velocidade. O tempo era precioso: um sopro mágico
que balançava meus cabelos, refrescando meu rosto sempre molhado, ora com água
da bica, ora com o suor da correria. Nas manhãs das férias eu me vestia
apressada e corria do quarto para ver o dia na varanda. Vai ter sol ou vai
chover? Sob o sol, brincadeiras mil com a companhia inseparável de meus primos Walter, Maria Dirce e Antoninho, que atravessavam a rua voando, prontos para aventuras
inesquecíveis. Sob a chuva, bolos de chocolate de barro, banho de enxurrada e
deslizamento na grama encharcada, até que algum adulto percebesse e encerrasse
minha carreira matinal com um banho quente na tina. Então, sentindo-me presa em
casa, corria para meus livros prediletos, pronta para uma aventura com
Narizinho. No Natal, mais livros vinham me acompanhar, e assim podia chover
ainda mais no final de dezembro, e em janeiro inteiro também, que eu nem
ligava. Lendo, eu continuava a correr, a pular e até... voava.
Por vezes retomo a
idade da velocidade com novos parâmetros — computador, megabytes, internet — e
faço meu próprio tempo. Ele, o tempo, continua a ser o mesmo de minha infância
— um sopro mágico que desliza ágil por meus dedos —, mas não me coloca mais
para correr. Agora ele é partilhado com outros prazeres, sem o rubor da
correria infantil, mas com o tato, o abraço, o toque calmo e quente que acolhe,
acalma, acalenta e que me leva a querer celebrar todos os meses, não só
dezembro.
E hoje, adulta, às
vezes reencontro a menina que, correndo, me empurra ladeira abaixo. Nesses
momentos, o joelho esfolado ou o mau jeito nas costas me colocam de volta na
idade certa. É quando refaço caminhos e trilhas, avaliando o tempo gasto. O
mesmo precioso tempo que pode me deixar envergonhada pelas bobagens feitas,
ditas, escritas, e que da mesma forma pode me levar a rir de tais feitos, ditos
e escritos. É o tempo que brinca com minha vida e que se materializa
anualmente, sempre em dezembro, renovando o ritual de encerramento do ano, como
se exigisse um balancete final. Fico cabisbaixa — por vezes rígida e exigente;
em outros momentos, flexível e compreensiva — até concluir um relatório
satisfatório, me concedendo outro ano, em que usarei o tempo me aperfeiçoando
como uma pessoa melhor.
Com o balancete
aprovado, vou gastar meu tempo prazerosamente até dezembro do ano seguinte. O
tempo me confidenciou que a melhor moeda de troca é o prazer: celebrar a vida
como uma manga madura que escorre pelo queixo.
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Dezembro
de 2007.
Crônica que dá nome ao meu livro Celebrando dezembro, janeiro,
fevereiro... – Editora Letra Livre, Campo Grande, MS, 2014.
IMAGEM: Estou cantando, com uma lata de
goiabada na cabeça, com meus primos Walter Amaral, Antoninho (o menor) e Maria
Dirce.