A pergunta é exatamente esta: “Quem SOMOS eu?”. (O revisor, é verdade, chegou a ficar confuso no início.) Com certeza, a única estranheza no título vem de nossa língua portuguesa e suas boas regras de concordância verbal. Mas vamos por partes.
Um artigo do periódico Popular Science, publicado em 2011, revelou que as bactérias
presentes em nosso organismo superam de 10 a 1 o número de células de nosso
corpo! Mas, “pelo
fato de serem muito menores que as células humanas, elas corresponde a apenas
cerca de 1 a 2% de nossa massa corporal — embora totalizem quase metade
de nossas excreções sólidas”, explicou a doutora Lita Proctor, coordenadora do
Projeto Microbioma Humano (do Instituto Nacional de Saúde, nos Estados Unidos),
estudo este que focaliza as comunidades bacterianas que vivem sobre nossa pele
e dentro de nós.
Os
exércitos de bactérias que levamos conosco não haviam sido adequadamente
catalogados até recentemente. Em julho de 2011, na Universidade do Estado da
Carolina do Norte, o Belly Button
Biodiversity Study (curioso objeto de pesquisa, já que o nome significa,
literalmente, “Estudo da Biodiversidade do Umbigo”) identificou cerca de 1.400
diferentes variedades de bactérias vivendo nos umbigos de 95 participantes.
Destas, 662 eram até então desconhecidas.
Uma
interessante reação a nossos “hóspedes”, voluntária ou involuntariamente
adquiridos, começou então a ganhar corpo na internet: uma nova entidade sem
fins lucrativos chamada “Meus Micróbios” — http://my.microbes.eu/ — propõe-se a conectar pessoas em
rede social com o exclusivo propósito de conversarem e trocarem experiências
sobre bactérias, especificamente as gastrointestinais.
O site http://hypescience.com/
também publicou os resultados de outras pesquisas sobre nossas mais íntimas
relações com essa parafernália de vida microscópica. Selecionei os trechos mais
instigantes:
“Não há absolutamente nada de errado com seu
corpo, formado por várias células. Disso você já sabia. O que talvez você não
saiba é que, para cada célula do seu corpo, existem outros 10 organismos que
são essenciais para o desempenho de várias funções que o nosso sistema necessita.
Existem cerca de 100 trilhões — vamos repetir: 100 trilhões! — de
organismos vivendo sobre ou dentro de você neste momento. Eles entram por sua
boca, nariz, ouvidos e por qualquer outra entrada de seu corpo. Ou seja, aquilo
que você considera ser você é apenas uma fração do que realmente é... você. Nós chamamos este sistema de
seres vivos morando em nós de microbiota. Estas pequenas criaturas contêm cerca
de 22 milhões de genes, com seus próprios DNAs, que não só permitem que elas
existam, como também são fundamentais para vários processos do nosso corpo. Elas
auxiliam na digestão, mantêm o sistema imunológico saudável e controlam nossa
fome, ajudando a nos fazer sentir ‘cheios’. Elas até mesmo podem alterar nosso
humor. Ratos criados em ambientes esterilizados, não expostos a estes
micro-organismos, respondem de forma menos efetiva a estímulos de estresse do
que ratos normais.”
E o Hypescience continua... surpreendentemente:
“Você já ouviu falar em ‘transplante de fezes’? Acredite, é uma coisa real e
muito eficiente. Algumas doenças são causadas por microbiotas com pouca
diversidade, o que deixa o indivíduo suscetível a infecções. As fezes de uma
pessoa saudável são transferidas diretamente para o intestino da pessoa com
poucos micro-organismos. Os novos habitantes recolonizam o local e deixam tudo
bem novamente. Esse tratamento é usado com mais frequência quando alguém toma
algum antibiótico que acaba matando uma parte grande demais da microbiota. Os cientistas
inclusive descobriram que ratos obesos que receberam microbiota de ratos magros
incrivelmente perdem peso de forma mais eficiente, mesmo que as suas dietas
fossem mantidas inalteradas. Os micro-organismos que vivem em nós são tão
significativos, de várias maneiras diferentes, que se cogita que, no futuro, os
médicos não irão mais nos diagnosticar, mas sim diagnosticá-los.”
“Embora
apenas 10% de você seja você, você tem um papel importante em relação a seu
corpo. Porque, na verdade, você pode mudar os outros 90%. Tudo o que você come
afeta sua microbiota. Comidas que possuem prebióticos e probióticos, por
exemplo, introduzem novas e saudáveis bactérias, que podem ajudar as velhas a
funcionarem. Por outro lado, os ‘nuggets’ de frango que você adora ou quaisquer
outros alimentos processados são tratados com produtos químicos que matam as
más bactérias, mas que possuem o infeliz efeito colateral de matar as suas
bactérias boas também. Pessoas que vivem no lado ocidental do planeta, na
verdade, possuem uma microbiota muito menos rica do que pessoas em outras
culturas sem o costume comer alimentos processados. Isso acontece não só por
causa deste tipo de dieta, mas também pelo uso frequente de antibióticos e
sabonetes antibactericidas. Esses costumes ocidentais também podem explicar por
que existem muito mais casos de alergia e de doenças autoimunes neste lado do
planeta.”
As revelações sobre a diversidade de vida que
vive dentro de nós e que, em grande parte, nos controla (pelo menos fisiologicamente),
têm feito um rebuliço em nossa desavisada mente,
tão habituada à
ideia, e a uma profunda sensação, de individualidade. Vamos então refletir, com
“nosso” cérebro, sobre o significado de “eu sou”:
O mestre Antonio Houaiss esclarece que “ser” denota
“ter identidade, característica ou propriedade
intrínseca”, como exemplificado em “a Terra é esférica” ou “o
homem é um animal racional”. Já o pronome “eu” é usado “por aquele que fala ou escreve para se
referir a si mesmo, quando gramaticalmente é o sujeito da oração” e também para
designar “a individualidade da pessoa humana” e, por extensão, a “forma
assumida por uma personalidade num momento dado” (como em “meu eu de outrora não mais existe”). Mais revelador de nossa cultura ocidental é que a
palavra EU, ainda segundo Houaiss, designa a “tendência de um
indivíduo a não levar em consideração senão a si mesmo; egocentrismo; egoísmo,
narcisismo”.
Nosso dicionarista é esclarecedor: “Meu eu de
outrora não mais existe”. E basta de divagações por hoje. Definitivamente, somos
não só eu, mas também o outro e muitos mais...
______
FONTE
DA IMAGEM: autorretrato de Nadia Wicker