sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Quem somos eu?

  

A pergunta é exatamente esta: “Quem SOMOS eu?”. (O revisor, é verdade, chegou a ficar confuso no início.) Com certeza, a única estranheza no título vem de nossa língua portuguesa e suas boas regras de concordância verbal. Mas vamos por partes.

Um artigo do periódico Popular Science, publicado em 2011, revelou que as bactérias presentes em nosso organismo superam de 10 a 1 o número de células de nosso corpo! Mas, “pelo fato de serem muito menores que as células humanas, elas corresponde a apenas cerca de 1 a 2% de nossa massa corporalembora totalizem quase metade de nossas excreções sólidas”, explicou a doutora Lita Proctor, coordenadora do Projeto Microbioma Humano (do Instituto Nacional de Saúde, nos Estados Unidos), estudo este que focaliza as comunidades bacterianas que vivem sobre nossa pele e dentro de nós.

Os exércitos de bactérias que levamos conosco não haviam sido adequadamente catalogados até recentemente. Em julho de 2011, na Universidade do Estado da Carolina do Norte, o Belly Button Biodiversity Study (curioso objeto de pesquisa, já que o nome significa, literalmente, “Estudo da Biodiversidade do Umbigo”) identificou cerca de 1.400 diferentes variedades de bactérias vivendo nos umbigos de 95 participantes. Destas, 662 eram até então desconhecidas.

Uma interessante reação a nossos “hóspedes”, voluntária ou involuntariamente adquiridos, começou então a ganhar corpo na internet: uma nova entidade sem fins lucrativos chamada “Meus Micróbios”http://my.microbes.eu/ — propõe-se a conectar pessoas em rede social com o exclusivo propósito de conversarem e trocarem experiências sobre bactérias, especificamente as gastrointestinais.

O site http://hypescience.com/ também publicou os resultados de outras pesquisas sobre nossas mais íntimas relações com essa parafernália de vida microscópica. Selecionei os trechos mais instigantes:

“Não há absolutamente nada de errado com seu corpo, formado por várias células. Disso você já sabia. O que talvez você não saiba é que, para cada célula do seu corpo, existem outros 10 organismos que são essenciais para o desempenho de várias funções que o nosso sistema necessita. Existem cerca de 100 trilhõesvamos repetir: 100 trilhões!de organismos vivendo sobre ou dentro de você neste momento. Eles entram por sua boca, nariz, ouvidos e por qualquer outra entrada de seu corpo. Ou seja, aquilo que você considera ser você é apenas uma fração do que realmente é... você. Nós chamamos este sistema de seres vivos morando em nós de microbiota. Estas pequenas criaturas contêm cerca de 22 milhões de genes, com seus próprios DNAs, que não só permitem que elas existam, como também são fundamentais para vários processos do nosso corpo. Elas auxiliam na digestão, mantêm o sistema imunológico saudável e controlam nossa fome, ajudando a nos fazer sentir ‘cheios’. Elas até mesmo podem alterar nosso humor. Ratos criados em ambientes esterilizados, não expostos a estes micro-organismos, respondem de forma menos efetiva a estímulos de estresse do que ratos normais.”

E o Hypescience continua... surpreendentemente: “Você já ouviu falar em ‘transplante de fezes’? Acredite, é uma coisa real e muito eficiente. Algumas doenças são causadas por microbiotas com pouca diversidade, o que deixa o indivíduo suscetível a infecções. As fezes de uma pessoa saudável são transferidas diretamente para o intestino da pessoa com poucos micro-organismos. Os novos habitantes recolonizam o local e deixam tudo bem novamente. Esse tratamento é usado com mais frequência quando alguém toma algum antibiótico que acaba matando uma parte grande demais da microbiota. Os cientistas inclusive descobriram que ratos obesos que receberam microbiota de ratos magros incrivelmente perdem peso de forma mais eficiente, mesmo que as suas dietas fossem mantidas inalteradas. Os micro-organismos que vivem em nós são tão significativos, de várias maneiras diferentes, que se cogita que, no futuro, os médicos não irão mais nos diagnosticar, mas sim diagnosticá-los.”

“Embora apenas 10% de você seja você, você tem um papel importante em relação a seu corpo. Porque, na verdade, você pode mudar os outros 90%. Tudo o que você come afeta sua microbiota. Comidas que possuem prebióticos e probióticos, por exemplo, introduzem novas e saudáveis bactérias, que podem ajudar as velhas a funcionarem. Por outro lado, os ‘nuggets’ de frango que você adora ou quaisquer outros alimentos processados são tratados com produtos químicos que matam as más bactérias, mas que possuem o infeliz efeito colateral de matar as suas bactérias boas também. Pessoas que vivem no lado ocidental do planeta, na verdade, possuem uma microbiota muito menos rica do que pessoas em outras culturas sem o costume comer alimentos processados. Isso acontece não só por causa deste tipo de dieta, mas também pelo uso frequente de antibióticos e sabonetes antibactericidas. Esses costumes ocidentais também podem explicar por que existem muito mais casos de alergia e de doenças autoimunes neste lado do planeta.”

As revelações sobre a diversidade de vida que vive dentro de nós e que, em grande parte, nos controla (pelo menos fisiologicamente), têm feito um rebuliço em nossa desavisada mente, tão habituada à ideia, e a uma profunda sensação, de individualidade. Vamos então refletir, com “nosso” cérebro, sobre o significado de “eu sou”:

O mestre Antonio Houaiss esclarece que “ser” denota “ter identidade, característica ou propriedade intrínseca”, como exemplificado em a Terra é esférica” ou o homem é um animal racional”. Já o pronome “eu” é usado “por aquele que fala ou escreve para se referir a si mesmo, quando gramaticalmente é o sujeito da oração” e também para designar “a individualidade da pessoa humana” e, por extensão, a “forma assumida por uma personalidade num momento dado” (como em “meu eu de outrora não mais existe”). Mais revelador de nossa cultura ocidental é que a palavra EU, ainda segundo Houaiss, designa a “tendência de um indivíduo a não levar em consideração senão a si mesmo; egocentrismo; egoísmo, narcisismo”.

Nosso dicionarista é esclarecedor: “Meu eu de outrora não mais existe”. E basta de divagações por hoje. Definitivamente, somos não só eu, mas também o outro e muitos mais...

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FONTE DA IMAGEM: autorretrato de Nadia Wicker


 

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