Ele era o homem mais bonito que eu já havia encontrado
frente a frente em toda a minha vida. Com 12 para 13 anos de idade (e começando
a fumar escondida), eu me sentia uma mulher adulta, apesar das espinhas que
insistiam em me brotar no nariz.
Tudo começou por causa de meu coração machucado pelo
desinteresse do Paulo Roberto, que namorava quase todas as minhas amigas, uma
atrás da outra, e continuava meu amigo. Foi no recreio do colégio que senti que
algo novo estava acontecendo: meu coração bateu descompassado e um calorão
subiu em meu rosto quando vi o Silvio pela primeira vez. Que homem! Um cara
maduro (devia ter uns 15 anos, 16 no máximo), alto, claro, cabelos loiros,
olhos de um verde profundo. A materialização do Troy Donahue. Naquele dia,
lembrei-me de uma trovinha popular: Silvio dos olhos verdes, / Olhos verdes
como o mar, / Não me olhe com seus olhos, / Para eu não me afogar.
A trovinha é terrível... Mas acho que nunca a esqueci
porque não tive a oportunidade de afogar-me naqueles olhos. O Silvio passava
por mim e não me dava uma gota sequer daquele mar. Passei a odiar os homens
mais velhos. Odiar e amar. Amar e odiar. Essa emoção confusa devia ser coisa de
adulto, pensei para me confortar. E em meus cadernos continuei a escrever
carinhosamente o seu nome e o meu, entrelaçados em um coração, para riscá-los
em seguida e arrancar a página com fúria.
Naquela mesma semana, em uma aula de geografia, o
professor falou de mares e oceanos. E entendi que o oceano Atlântico tinha o
formato de um grande “S”. Foi o que bastou: “S” de Silvio, oceano Atlântico de
profundos olhos verdes... “S” de Segredo...
As semanas se passaram. Meu pai — que folheava meus
cadernos periodicamente — não entendeu meu interesse repentino pelo oceano Atlântico.
E assim, protegida pelo mar, eu escrevia Atlântico, Atlântico, Atlântico, em
todos os meus cadernos. Um dia, li sobre amor platônico e fiquei aliviada.
Aliviada e confiante em minha capacidade de amar e ser amada sem ao menos um
toque, suspirando e me deliciando com a possibilidade romântica de olhar meu
amado a distância, respirando o mesmo ar que o circundava, mesmo com ele a uns
dois metros de distância. (Eu já conhecia as propriedades do estado gasoso.)
E o inesperado aconteceu. Meu “vovô” Nelson Araújo chegou
de uma viagem ao Paraná com um presente especial: um caderno de recordações.
Uma obra artesanal, com capas de madeira trabalhada em marchetaria. Rapidamente ,
após os escritos do vovô, conferi a duas ou três amigas a honra de inaugurar o
caderno com seus dizeres — na verdade, somente para disfarçar — e, mais que
correndo, procurei o Silvio para lhe “pedir uma recordação”. Foram cinco longos
e angustiantes dias de espera. Mas por fim, e com o coração aos saltos, li: A
CANÇÃO / Adeus! Já nada tenho que dizer-te; / Minhas horas finais trêmulas
correm. / Dá-me o último riso p’ra que eu possa / Morrer cantando, como as aves
morrem. / Ai daquele que fêz do amor seu mundo! / Nem deuses, nem demônios o
socorrem. / Dá-me o último olhar para que eu possa / Morrer sorrindo, como os
anjos morrem. / Foste a serpente, e eu, vil, ainda te adoro. / Que vertigens
meu cérebro percorrem! / Mente a última vez para que eu possa / Morrer
sonhando, como os doidos morrem.
“Uauuuu... Ele me adora!”, convenci-me de imediato. “Não
pode ser outra coisa! Nenhum homem até hoje me viu tão ‘adulta’, tão
‘perigosa’. Ele me ama. Eu... Euzinha... Uma Serpente! Isso é paixão, daquelas
avassaladoras. Ele está enlouquecido por mim... Nos seus delírios de amor
platônico ele me vê usurpando o nosso amor, mentindo...”
Fiquei pasma, tonta. Não dormi a noite toda.
Na manhã seguinte, com olheiras profundas, mostrei o
caderno a todas as minhas amigas, calada (mas incontida por dentro),
colecionando a reação de cada uma. Agora, definitivamente, eu era uma mulher
adulta. Adulta e provocante!
Soltei longas baforadas silvantes de meu cigarro no
recreio, silenciosa e oculta daquelas pobres e reles mortais que nunca haviam
sido chamadas de serpente e que tampouco deixaram qualquer homem enlouquecido.
Os dias se passaram. Os meses também. Não recebi mais
nenhum olhar, nenhum sinal. Fiquei confusa: Era realmente um adeus? Ser uma
serpente era bom ou ruim? Selei meu destino com a conclusão de que o amaria até
a eternidade. Curiosamente, lembrei-me dele somente hoje, ao folhear meu livro
de recordações.
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FONTE DA IMAGEM: Foto de Goldem Fonseca.