sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

“Brazil”. Meu Brasil brasileiro...


Um estrondo abala o edifício e todas as vidraças são estraçalhadas por uma bomba de fabricação caseira. Na TV, o repórter pergunta ao Ministro de Informações:

— O que o senhor acredita que está por trás dessa escalada de verdadeiros ataques terroristas?

— Falta de espírito esportivo — responde o ministro. — Uma insignificante minoria parece ter esquecido certas virtudes dos velhos tempos. Não suportam ver a vitória dos outros. Se essa gente entrasse no jogo, teria uma vida muito melhor.

E o repórter comenta:
— Mas, ministro, dizem que o Ministério de Informações é muito grande e pouco flexível. Informação é o nome do jogo. Não se pode ganhar se for limitado. E o custo de tudo isso é 7% do PIB.

— Entendo a preocupação do contribuinte — o ministro responde. — Ele quer ver seu dinheiro valorizado. Por isso, insistimos no princípio de recuperação de informações. É correto e justo que os considerados culpados paguem por sua detenção e pelos procedimentos usados pelo departamento em seus interrogatórios.

— E o governo está vencendo essa guerra? — questiona o repórter.

— Sim! — diz o ministro. — Nossa moral é alta. Estamos revidando os ataques, eliminando-os totalmente. Eles estão acabados.

E o repórter retruca:
— Mas... são 13 anos de ataques de bombas!

— Sorte de principiantes! — conclui o ministro.

Essa surreal entrevista está nos primeiros minutos de Brazil, uma produção britânica que estreou nos cinemas da Europa em fevereiro de 1985, e que me parece absurdamente atual, por inúmeras razões. Se você (nunca) ouviu falar nesse filme, aqui vão algumas informações:

O diretor, Terry Gilliam, que também assinou o roteiro com Charles McKeown e Tom Stoppard, foi um dos mais ativos integrantes do satírico grupo inglês Monty Python (só para lembrar: “O Sentido da Vida”, “A Vida de Brian”, “Monty Python em A Busca do Cálice Sagrado”). Tendo “Aquarela do Brasil” como tema principal, a trilha sonora explora lindamente, mas quase no limite da exaustão, a composição de Ary Barroso.

[A propósito: o filme original, com opção de legendas em português e duração de duas horas e 16 minutos, está disponível em http://youtu.be/XmSBtDLgBSQ]


Sucesso de crítica na Europa, e fracasso de bilheteria no Brasil, Brazil já foi descrito como um drama, uma grande comédia, uma fantasiosa crítica sobre a sociedade burocratizada, um filme de aventura, ficção científica e uma sátira distópica.

Confirmo todas as descrições, do drama à sátira. Os limites de nonsense são rompidos tantas vezes em Brazil, que o filme acaba por se encaixar, tranquilamente, nas mais diferentes visões. Mas nenhuma é tão perfeita como a antiutopia, por mostrar a vida sob condições de extrema opressão, desespero e privações. É impossível não associar Brazil com outras distopias imortalizadas na literatura por dois escritores ingleses: “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley (1894-1963), e “1984” de George Orwell (1903-1950). (Este último é o livro em que figura o “personagem” chamado Big Brother, que obviamente não tem nada a ver com a bobagem global do Big Brother Brasil.)

Terry Gilliam (que também dirigiu “Os 12 Macacos”) colocou em Brazil um clima noir em um regime totalitário, tão absurda e violentamente burocrático, que todos, todos mesmo (desde o garçom até o eletricista, o motorista e qualquer outro prestador de serviços, e mesmo o censor e o torturador), vivem soterrados sob papéis, carimbos, recibos e formulários.

O filme tem passagens inesquecíveis, como a de um jantar entre amigas em que os sofisticados pratos são identificados, rigorosamente, por números e são todos idênticos a bolas de sorvete com cores repugnantes. Durante o jantar, um grupo de “terroristas” (contrários ao regime) adentra o restaurante explodindo mesas e machucando pessoas. Toda a cena é então prontamente coberta por coloridos biombos, trazidos por um atarefado maître, enquanto as amigas, alheias a tudo, continuam a conversar animadamente sobre a mais recente técnica de cirurgia plástica facial. Por sinal, o filme é fantástico na representação de alienações. Sonhos, delírios e uma tremenda confusão entre realidade e fantasia são o fio mestre de Brazil.

Pouco se falou sobre a identidade do filme com o verdadeiro país, Brasil. Na época do lançamento, 1985, havia várias correntes, desde a mais pueril, baseada no título e na trilha sonora; passando pelos sarcásticos gozadores, que viam o crescente mercado de cirurgia plástica do país representado no filme pelas hilárias cenas em que poderosas senhoras idosas deformavam seus rostos na busca de uma pele jovem; até a corrente dos céticos (ou seriam realistas?), que viam uma perfeita identidade entre a sátira do filme e a realidade do Brasil, que passara pelo então recente sistema opressor da ditadura militar.

Delações premiadas, documentos que desaparecem no caótico Ministério das Informações... Os heróis, ou anti-heróis, são Sam e Jill no filme, lúcidos e delirantes, mas poderiam ser Venina, Graça... ou quem melhor representasse a realidade do país. Realidade? Faz tempo que não passa nenhum filme sobre isso. Nem me lembro mais...
______


FONTE DA IMAGEM: Divulgação do filme Brazil.
 

Blog da Maria Eugênia Amaral Copyright © 2011 -- Powered by Blogger