A
noite caía escura como breu. Nada se via no céu, além de algumas minguadas estrelas
e uma nesga de luz da lua nova. Fui dormir bem cedo, pouco depois de as
galinhas se aquietarem em seus poleiros. Após aquele dia na fazenda ― correndo atrás
da bezerrada, pegando laranja no pé e ralando o joelho no centésimo tombo da
semana ―, tamanha era minha canseira que cheguei ao quarto e não deitei. Desmaiei.
Acordei
no meio da noite, na mais completa escuridão, com respingos de água morna em
meu rosto. Fechei os olhos molhados, prendi a respiração, assustada, e fiquei
alguns segundos quieta, tentando entender o que estava acontecendo, morrendo de
medo de abrir um olho sequer. E a água voltou a respingar sobre mim, escorrendo
sobre meus lábios. Um gosto amargo me aterrorizou. Não faço ideia de quanto
tempo fiquei ali, sem mexer um músculo, paralisada de pavor. E a água
continuava a cair, lentamente. Quanto mais eu pensava, mais medo sentia. Nada,
nadinha de nada que eu conhecesse neste mundo podia explicar o que estava
acontecendo. Era uma noite fria e aquela “água” era morna. Como era possível?
Apurei os ouvidos e constatei que não chovia ― nem uma garoinha sequer. Não era
goteira.
Aos
poucos, com o corpo inerte e a mente acelerada ao máximo, exausta por respirar
tão mal, uma única e aterrorizante verdade se apossava de mim: pendurado no
teto de madeira, a pouca distância de meu rosto, um monstro imenso, com boca
escancarada, deixava sua baba morna escorrer. Meu estômago ficava embrulhado só
de imaginar e meu corpo inteirinho começava a doer. Então tomei a decisão: ele
pode me devorar, mas antes eu vou gritar. E gritei: “Paiiêêê!”.
No
dia seguinte, o cano de cobre do reservatório de água quente foi consertado.
Por sorte, o fogão a lenha tinha sido pouco usado e a água da serpentina não se
aquecera demais. Além disso, a noite fria ajudou a tornar apenas morna a água
da caixa.
Mas
as semanas seguintes foram tensas. Apesar da constatação da realidade, sem
monstros visíveis, as noites ainda me perturbavam. Com o tempo, porém, fui me
tornando cética. Passei a duvidar de qualquer ameaça estranha e comecei, desafiadoramente,
a vasculhar a escuridão e as sombras até iluminá-las. Literalmente, jogar luz
sobre o medo! Foi assim que aprendi a destruir os monstros que se atrevessem a
aparecer.
Por
vezes, em situações tensas, ainda fico paralisada. Mas hoje me controlo mais
facilmente e começo a pensar. E o pensamento, tal qual a luz, esclarece!
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Crônica extraída de meu livro “Celebrando
dezembro, janeiro, fevereiro...”, Editora Letra Livre, Campo Grande,
MS, 2014.
FONTE DA IMAGEM: Foto de minha
autoria.