Para quem gosta de cinema, bons filmes
permitem o envolvimento dos sentidos e transportam o espectador a dimensões
inexploradas no mundo real. Com a cumplicidade da penumbra, o riso fica fácil,
o choro extravasa sem medo, o olho entreaberto espia pelos vãos dos dedos e a
gargalhada pode encher o ar. Pavor e nojo, desejo e prazer são revelados sem pudores.
Mas, apesar da atual disponibilidade de
filmes, do medíocre ao insigne, para todos os tipos de público, o espectador
que prefere som original está perdendo espaço. Os cinemas estão lotados de
filmes dublados.
Tento imaginar qual é a vantagem em
assistir um filme sem ter acesso à totalidade da interpretação dos atores e
atrizes. Dedicam horas, dias, talvez meses em busca da nuance de voz planejada.
Ensaios e mais ensaios para adequar o timbre, o sotaque, a entonação desejada
para o personagem... E tudo isso é jogado fora com a dublagem.
Por outro lado, concordo que existem
bons dubladores. Mas serão eles capazes de produzir a mesma expressividade da
voz original? Li dezenas de opiniões sobre os “prazeres” de assistir uma
película dublada, tais como: “Se leio as legendas acabo perdendo imagens do
filme”, “Prefiro dublado para ver as cenas de ação”, “Você não se perde e nem
se distrai com a legenda”. Honestamente, nenhum dos comentários me convenceu, a
não ser para filmes (bem) infantis. Em resumo: filme dublado é bom para criança
pequena, que ainda não sabe ler. Estendo o mesmo argumento para adultos: filme
dublado é bom para quem não lê, seja por não saber de vez ou por não conseguir fazê-lo
com agilidade suficiente para acompanhar a velocidade das legendas — uma
lamentável falta de prática. Lê melhor, com mais rapidez e capacidade de
compreensão, quem lê sempre. E essa triste limitação acaba ditando a medida do
mercado, com cinemas oferecendo filmes dublados para um público cada vez maior
de leitores enferrujados.
Além disso, sem estímulo à leitura, cada
vez menos espectadores terão a experiência, no caso de filmes baseados em obras
literárias, de sair do cinema comentando se o livro é, ou não, melhor. Esse deleite
está ao alcance apenas de quem não evita o universo que a leitura proporciona.
Gostaria de dispor de mais filmes
legendados, não por simples questão de gosto, mas pelo prazer em ouvir a
insubstituível interpretação vocal que vem com o som original. E torço (muito!)
para que mais e mais brasileiros tenham condições de viver outra realidade: ler
prazerosamente, inclusive no cinema.
FONTE DA IMAGEM: http://www.morguefile.com/archive/display/211504